Ordenação sacerdotal de Dom Tomás de Aquino

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

As boas leituras - São João Bosco

Boas leituras e palavra de Deus


Além do tempo destinado às orações da manhã e da noite, eu vos aconselho que dediqueis algum tempo à leitura de livros que tratem de coisas espirituais, como A Imitação de Cristo; a Filotéia, de São Francisco de Sales; a Preparação para a morte, de Santo Afonso Maria de Ligório; Jesus ao coração do jovem, vidas de santos e outros livros semelhantes.

Grandes vantagens vossa alma obterá com a leitura desses livros; e maior será o vosso merecimento aos olhos de Deus se contais a outros o que ledes, ou se fizerdes a leitura em sua presença, sobretudo se for para pessoas que não sabem ler.

Se vos recomendo a leitura dos bons livros, devo também vos recomendar encarecidamente que fujais, como da peste, dos maus livros e das más publicações.

Os livros, jornais ou impressos em que a religião e a moral são menosprezadas, lançai-os ao fogo como faríeis com o veneno. Imitai os cristão de Éfeso, que logo que ouviram de São Paulo o mal que produziam tais livros, apressaram-se a levá-los à praça pública, e fizeram com eles uma fogueira, preferindo que antes caíssem os livros no fogo do que suas almas no inferno.

Nosso corpo se debilita e morre se não o alimentamos; do mesmo modo nossa alma perde o vigor se não lhe damos aquilo de que ela necessita: o alimento da alma é a palavra de Deus, quer dizer, a pregação e a explicação do Evangelho, o catecismo.

Apressai-vos, pois, a ir logo à igreja: permanecei nela com a maior atenção e aproveitai-vos dos conselhos que vos sejam úteis.

É muito conveniente e até necessário para vós a assistência ao catecismo. Não vos escuseis dizendo que já fizestes a Primeira Comunhão: pois mesmo depois dela tendes necessidades de sustentar a alma, como alimentais diariamente o corpo: e se a privais desse alimento espiritual, ela ficará exposta a grandes males.

Quando ouvirdes a palavra de Deus, evitai as sugestões do demônio que vos engana dizendo-vos: "Isto o pregador está dizendo por causa de fulano, ou de sicrano". Não, meus caros filhos! O pregador se dirige a cada um de vós, e quer que apliqueis a cada um de vós as verdades que está expondo.

Além do mais, se um conselho não servir para vos corrigir de algo que tenhais feito no passado, ele servirá para vos preservar de cair no futuro.

Quando ouvirdes a palavra de Deus, tratai de recordá-la durante o dia; e à noite, antes de vos deitardes, parai um pouco refletindo no que foi ouvido; desse modo tirareis grande proveito para a alma.

Também vos recomendo cumprir os deveres religiosos, na medida do possível, na vossa própria paróquia, pois o pároco é a pessoa destinada especialmente por Deus para cuidar de vossa alma.


São João Bosco, "Carta aos jovens de todos os tempos", pp. 21-23. Artpress, 2006.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Sobre a saudação angélica

Por que o Arcanjo Gabriel saudou a Virgem Maria com um "Ave"? Vejamos nesse sermão de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico:

A SAUDAÇÃO ANGÉLICA

PRÓLOGO



1. — A saudação angélica é dividida em três partes: A primeira, composta pelo Anjo: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita és tu entre as mulheres. [Lc I, 28].
A segunda é obra de Isabel, mãe de João Batista, que disse: Bendito é o fruto do teu ventre.

A terceira parte, a Igreja acrescentou: Maria

O Anjo não disse: Ave Maria e sim, Ave, Cheia de graça. Mas este nome de Maria, efetivamente, se harmoniza com as palavras do Anjo, como veremos mais adiante.


AVE


2.
— Na antiguidade, a aparição dos Anjos aos homens era um acontecimento de grande importância e os homens sentiam-se extremamente honrados em poder testemunhar sua veneração aos Anjos.

A Sagrada Escritura louva Abraão por ter dado hospitalidade aos Anjos e por tê-los reverenciado.

Mas um Anjo se inclinar diante de uma criatura humana, nunca se tinha ouvido dizer antes que o Anjo tivesse saudado à Santíssima Virgem, reverenciando-a e dizendo: Ave.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

O Sacerdócio Católico

A Santa Missa


O ponto de mira dos ataques protestantes é o Papa e os Padres, em síntese, o Sacerdócio católico.

Para eles o Padre é um homem qualquer, que não possui autoridade, nem poderes especiais. Julgam o Sacerdócio católico igual ao estado dos seus pastores.
 
A presença do Sacerdócio é a prova da divindade de uma religião; a ausência do Sacerdócio é prova da origem humana de uma seita.

Só a Igreja Católica possui um Sacerdócio real, divino. Os protestantes possuem apenas pastores, por eles nomeados, mas sem missão e sem autoridade divinas.

Estudemos este belo assunto, e diante da luz da Bíblia, cairão as baixas objeções protestantes.

São Paulo, na Epístola aos Hebreus (VII), descreve com a profundeza que lhe é peculiar o sacerdócio de Melquisedec, no Antigo Testamento.

É um capítulo magistral, que representa um tratado de teologia sobre o assunto. Extraímos apenas os textos principais que vão ao nosso caso.


I. Palavras de São Paulo
 

O Sumo-Sacerdote Melquisedec
1 – Melquisedec era rei de Salem, Sacerdote de Deus Altíssimo.
2 – Interpreta-se Rei de justiça e também rei de Salem, que é rei de paz.
3 – Sem pai, nem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias, nem fim de vida, mas sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre.
4 – Considera quão grande era este a que até o Patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos.
5 – E os que entre os filhos de Levi recebem o sacerdócio, têm segundo a lei, a ordem de tomar o dízimo do povo, isto, é de seus irmãos, conquanto eles também tenham saído dos rins de Abraão.
9 – Mas aquele cuja linhagem não é contado entre eles, tomou o dízimo de Abraão, abençoou este que tinha as promessas.
10 – Ora, sem nenhuma contestação, o menor é abençoado pelo maior.
11 – De sorte que, se a perfeição fosse pelo sacerdócio Levítico... que necessidade havia de que outro sacerdote se levantasse, segundo a ordem de Melquisedec, e não fosse chamado segundo de Aarão?
12 – Porque mudou-se o sacerdócio, necessariamente se fez também mudança na lei.
15 – É muito mais manifesto ainda se, a semelhança de Melquisedec, se levantar outro sacerdote.
16 – O qual não foi feito segundo a lei de mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível.

17 – Porque assim testifica dele: Tu és Sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedec (Hebreus).


II. O erro protestante  
O texto citado nos revela a grandeza do sacerdócio católico, o único sacerdócio verdadeiro neste mundo. As seitas protestantes estabelecem chefes, que não são religiosos, mas apenas civis ou fictícios, sem mandado e sem autoridade.
Ora, uma religião divina exige uma autoridade divina.

Não basta um homem qualquer dizer: “Tu és pastor de almas”. Necessário é, que uma vez autorizado, tendo uma autoridade divina, diga: “Eu comunico-te uma autoridade religiosa sobre os outros homens”. Ora, um homem tendo sido escolhido por Deus para ser o seu representante e ministro; tendo sido ungido e delegado pelo representante de Deus na terra, este homem recebe, pelo sacramento da ordem, um caráter que nunca mais se paga; ele é sacerdote para a eternidade.

Se voltasse à vida mundana, se caísse no vício, ele é e sempre ficará sacerdote do Altíssimo. Será um mau sacerdote, mas sempre será sacerdote!


III. Doutrina Católica

Como é diferente o Sacerdote, segundo a doutrina católica!
São Paulo, descrevendo o Sacerdócio de Jesus Cristo, descreve ao mesmo tempo o sacerdócio de todos os que no decurso dos tempos, serão revestidos deste mesmo sacerdócio.

O Sacerdote supremo é um; o Sacerdócio é único.
O Cristo Sumo-Sacerdote

Este Sacerdote é o Cristo; os sacerdotes, seus sucessores, participam deste mesmo e único Sacerdócio.

As características deste Sacerdócio são indicadas pelo Apóstolo:


É sem pai, sem mãe, sem genealogia, semelhante ao Filho de Deus, sacerdote para sempre (Hb. VII, 3).

Este texto indica as quatro grandes exigências do Sacerdócio Católico.

Todo aquele que deixar por amor de meu nome casa, irmãos ou irmãs, pai ou mãe, ou a mulher ou os filhos, ou a herdade, receberá o cêntuplo neste mundo, e possuirá a vida eterna (Mt. XIX, 29).

O desapego, a renúncia deste mundo e até da própria família para consagrar-se ao serviço de Deus, eis a primeira virtude que Jesus Cristo exige de seus ministros.

O sacerdote Católico faz este sacrifício e, como os Apóstolos, deixa tudo para seguir seu Mestre, podendo dizer como São Pedro:

Eis-nos aqui, nós deixamos tudo para vos seguir! (Mt. XIX, 27).

O Apóstolo ajunta: deve ser sem genealogia.

Que quer dizer isto?

A genealogia é a linhagem, a origem, a ramificação de uma família. Esta genealogia é composta de uma série ascendente e de outra descendente.

O homem não pode existir sem série ascendente, pois todo homem é filho de seus pais, mas pode viver sem descendentes, isto é, sem filhos.

Esta palavra é, pois, uma indicação de seu afastamento do mundo, e indica o estado virginal do sacerdócio e do sacerdote: Inupta et virgo cogitat quae Domini sunt. O solteiro e a virgem pensam nas coisas de Deus, diz o Apóstolo (I Cor. VII, 34). Separando-se dos seus pais, pelo nome de Deus, e afastando-se do mundo, o sacerdote é bem o homem sem pai nem mãe (Hb. VII, 3).

Renunciando ao matrimônio, prometendo guardar a castidade, ele renuncia a genealogia descendente, e torna-se, pela vida pura, semelhante ao Filho de Deus (Ibid), que deixou seu pai, para fazer-se homem, para nascer de uma mãe virgem e viver numa pureza sem mácula. Eis que uma virgem conceberá e dará a luz um filho (Is. VII, 14).


IV. O Sacramento da Ordem  
O texto citado termina pelo cunho próprio do sacerdócio.
A separação, o afastamento, a virgindade são qualidades preparatórias, indispensáveis, para tornar-se semelhante ao Filho de Deus, como diz São Paulo; falta ainda o Sacramento da Ordem para ser Sacerdote para sempre (Hb. VII), conforme a ordem de Melquisedec.
É a quarta indicação do estado sacerdotal.
Sacerdos, dizem os teólogos, vem de sacer-do ou sacra-dans, dando coisas sacras.

O sacerdócio não é um ofício transitório, acidental, é um cargo que provém da impressão de um caráter sagrado na alma, e como tal o sacerdócio é eterno, como eterno é o grão sacerdote, o supremo sacerdote, que é Jesus Cristo.
Eis, numa frase lapidar o sacerdócio de Jesus Cristo e o caráter de cada sacerdote católico:
- Separação dos pais;
- Afastamento do mundo;- Virgindade de vida; - Caráter sacerdotal.
O sacerdócio levítico da antiga lei não tinha estas qualidades; por isso era preciso que houvesse outro sacerdócio, diz o Apóstolo (Hb. VII, 11), não segundo a ordem antiga de Aarão, mas segundo a ordem nova de Melquisedec.

Mudou-se o Sacerdócio, a lei foi também mudada. (Hb. VII, 12).

Era de temor; agora é de amor.
Era de imolação de holocaustos; agora é de imolação do próprio Cristo. Já estou farto dos holocaustos de carneiros, diz o Senhor (Is. I, 11). Ele entregou-se a si mesmo para nossa salvação (Ef. V, 2).
Este novo sacerdócio não é mais feito segundo a lei carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível (Hb. VII, 16).
O Sacerdote católico, como diz bem São João, não nasce nem do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo. I, 13). Estas palavras reproduzem e resumem admiravelmente o texto de São Paulo, repetindo a mesma verdade:
Separação dos pais (nascer do sangue);
Afastamento do mundo (nascer da carne);Virgindade de vida (nascer do homem); Caráter sacerdotal (nascer de Deus).Assim, conclui o Apóstolo pode-se testificar dele e dizer: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedec (Hb. VII, 17).
Convinha tal sumo sacerdote (e tais sacerdotes) santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e feito mais sublime que o céu (Hb. VII, 26).

É a mesma gradação, com outros termos:

- Separação dos pais (para santificar-se);
- Afastamento do mundo (para conservar-se inocente);- Virgindade de vida (para ficar imaculado);- Caráter sacerdotal (fazendo o homem mais sublime que o céu).

VI. Comparação
 
Se compararmos o sacerdócio instituído por Jesus Cristo, com estes sublimes caracteres, temos ideia da grandeza deste sacerdócio, como da sublimidade da vocação e do ministério sacerdotal.
E se ao lado desta divina instituição colocarmos a vida de um Pastor protestante, ficamos horrorizados em constatar que estes homens, que se dizem Pastores, não possuem nenhum dos característicos indicados pelo Apóstolo.

O pastor é um homem qualquer, que não se distingue em nada dos correligionários, nem na ciência, nem na piedade, nem na virtude, nem na vida. Em absolutamente nada!

A vida de um pastor é um emprego, um ganha-pão, um ofício, como o ofício de advogado, de professor, de vendedor ambulante.

O que ele quer é viver e ganhar a vida: todo o resto são meios: o fim é o sustento... só isto!

Faltam-lhe por completo os quatro requisitos exigidos por S. Paulo, e representados na vida de Melquisedec.

­– Separação dos pais – Não se separa da família, senão por necessidade.
– Afastamento do mundo – Veste e vive como qualquer mortal. – Virgindade de vida – casa e casa-se novamente, cria filhos e filhas, como qualquer homem casado. – Caráter Sacerdotal – Não possui nenhum. Não recebe um Sacramento, nem Unção, nem Missão, nem Autoridade; – prega a Bíblia porque quer, e deixará de pregar quando bem entender, e torna-se de novo um vulgar cidadão.
São dois antípodas:

O Sacerdote é de Deus;
O Pastor é dos homens;
O Sacerdote vive para Deus;
O Pastor vive para sua esposa;
O Sacerdote trabalha para Deus;
O Pastor trabalha para ganhar o salário.

E há homens, que lendo a Bíblia, a passagem citada de S. Paulo e muitas outras, não compreendem isto?

Para que então serve a Bíblia?

Reflitam um instante e constatarão que a presença de um sacerdócio eterno na Igreja Católica, é uma prova irrefutável da divindade desta Igreja, como a falta de sacerdócio no protestantismo é a prova de sua falsidade.

 
VII. Sacerdote, Altar, Vítima
Não pode haver religião sem altar, sem sacrifício e sem sacerdote.

No Gênesis encontramos estas indicações em termos positivos: Noé edificou um Altar ao Senhor, e lhe ofereceu um sacrifício sobre este Altar (Gn. VIII, 20).

 
Noé era o sacerdote; Edificou um Altar; Ofereceu um sacrifício sobre ele.
Abraão, por sua vez, construiu um altar em Siquém, em Hebron, e ali ofereceu um sacrifício ao Senhor (Gn. XII, 7 – XIII, 18) e assim por diante em toda parte há um culto religioso, encontramos o sacerdote, o Altar, a vítima (Gn. XXII, 9) – (XXXV, 1) – (Ex. XV, 15) – (XXVII, 1) – (XXIX, 13) – (Nm. VII, 1) – (XVIII, 3) – (Dt. XXVII, 5) – (Es. III, 2) – (Jt. IV, 9) – (Lm. II, 7) – (Jo. II, 17) – (Am. IX, 1) – (Ml. II, 13) etc.

Em toda parte no antigo como no novo Testamento, encontramos, como base de todo culto os três inseparáveis elementos de um sacerdote, de um altar e de uma vítima.

Na Igreja Católica, a única igreja fundada por Jesus Cristo, estes três elementos são igualmente a base de todo o seu culto.

Há um sacerdócio instituído pelo próprio Jesus Cristo: Fazei isto em memória de mim (Lc. XXII, 19) disse o Salvador aos seus apóstolos, instituindo o Santo Sacrifício da Missa.

Há também um sacrifício.

É a função do sacerdote, diz o Apóstolo, ou do Pontífice, oferecer dons e sacrifícios a Deus (Hb. V, 1).

Há ainda um altar: Nós temos um altar, diz ainda São Paulo, do qual não podem participar os que servem no Tabernáculo (Hb. XIII, 10).

O Sacerdote é aquele que recebe o Sacramento da Ordem, e é ungido e consagrado Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedec, com os caracteres já indicados.

O sacrifício é o próprio Jesus Cristo, que, não querendo mais os holocaustos de animais, oferece-se a si mesmo, ao Pai eterno, para a Salvação dos homens (Hb. V, 1).

O altar é o lugar preparado para oferecer este sacrifício, onde, por indicação divina, deve ser imolado a vítima. O anjo estava diante do altar para oferecer as orações (Ap. VIII, 3).

Se agora olharmos para o culto protestante, não encontramos nenhum destes elementos essenciais.

Sacerdote? – Não há. Apenas há um leigo que se intitula Pastor, mas sem ordenação, sem missão, sem poderes, sem capacidade.

Altar? – Não existe: no templo há apenas uma estante e uma Bíblia. Nenhum altar, nenhum incenso, nenhum lugar próprio para Sacrifícios.

Sacrifícios: Não existe também. Fazer as vezes uma Ceia, onde é servido apenas um pedaço de pão e um copo de vinho, não constitui nenhum Sacrifício; é uma ceia, um jantar, o que quiserem, que se pode fazer em casa como na casa de oração... nada mais. Nem sacerdote, nem altar, nem sacrifício: tudo desaparece.

O profeta tinha anunciado que em toda parte haveria um sacrifício puro em honra de Deus (Ml. I, 11) e a casa de oração protestante aboliu este sacrifício: Periit sacrificium... geme outro profeta (Jó I, 9).

É o deserto, a destruição... é a abominação no lugar que deveria ser santo, e que torna-se um antro de perdição. Et erit in templo abominatio desolationis (Dn. IX, 27).





LOMBAERDE, Padre Júlio Maria de. Objeções e erros protestantes. Manhumirim: O Lutador, 1932.

terça-feira, 30 de julho de 2013

O debate entre Lutero e Eck

Tendo falecido o imperador Maximiliano, em 12 de janeiro de 1519, foi só depois da eleição do seu sucessor, Carlos V (out. de 1519), que o processo contra Lutero foi retomado. Nesse ínterim um novo acontecimento patenteara a má vontade de Lutero: a discussão de Leipzig. Os erros de Lutero foram-se espalhando com a repulsa de uns e a aprovação de outros. Em breve as próprias universidades da Alemanha veriam as suas opiniões divididas, efeito das dúvidas e discussões suscitadas.

O enfraquecimento da fé e o relaxamento da moral eram um terreno propício para as novidades e revoltas.

As universidades de Wittemberg, Ingolstad e Leipzig combinaram entre si um debate público para resolver a pendência. O lugar escolhido foi o castelo do conde Jorge de Sax, em Leipzig. Ali deviam reunir-se os representantes de cada partido. O salão de honra do castelo foi dividido em duas partes destinadas às duas facções, com dois púlpitos no centro, um em frente ao outro.


O grande teólogo John Eck, paladino invencível da religião católica, com a idade de 43 anos.
Ilustre sacerdote que denunciou a fraude e o logro das heresias. Ano de 1572. 

A discussão teve início a 27 de junho de 1519 entre Carlostad e Eck. O enviado de Lutero foi vergonhosamente vencido, não podendo provar as suas teses, nem refutar as do seu antagonista.

Referindo-se, mais tarde, a esse fracasso, falou Lutero: ‘Em Leipzig Carlostad recolheu vergonha em vez de honra, mostrando-se um miserável polemista, com espírito tapado e tolo.’ (H. Boeckmer: Der Junge Luther 1929, pág. 255). A impressão foi péssima para a pretensa reforma. Os partidários chamaram Lutero para vingar a desfeita e soerguer a honra comprometida da nova doutrina.

Em 4 de julho reencetou-se a polêmica, desta vez entre Lutero e Dr. Eck. Tudo convergiu logo para a palpitante questão: a autoridade da Igreja em matéria doutrinal. Lutero havia opugnado as indulgências, proclamando o valor supremo da Bíblia e a inutilidade das boas obras, mas não tinha ainda opinião formada sobre a jurisdição da Igreja em questões de doutrina. Caiu em contradição, titubeou, aderindo, publicamente às condenadas doutrinas de Huss, rejeitando a autoridade da Igreja. O Dr. Eck refutou vitoriosamente as asserções heréticas, e Lutero não fez papel mais brilhante do que o seu representante vencido, Carlostad. Os ânimos dos sectários se exaltaram e vários começaram a gritar contra as asserções católicas de Eck. 

A 14 de julho encerrou-se a discussão, levando os louros do triunfo o Dr. Eck, como o próprio Lutero depois declarou em uma carta a Melanchton: ‘Eck tem as vantagens: ele triunfa e reina. Estes leipziganos não nos saudaram, nem visitaram, mas nos trataram como inimigos, enquanto acompanharam Eck em toda parte... para nossa vergonha... aí está todo o drama: começou mal e acabou pior... discutimos mal.’ (Enders: corr. II, 85, 20 de julho de 1519).

O conde Jorge de Saxe, o povo de Leipzig, a universidade e os católicos hesitantes sentiram-se fortalecidos em sua fé, mas Lutero, recolhendo-se sob a capa do seu amor próprio ferido, se tornou cada vez mais intratável e grosseiro.

Ei-lo feito definitivamente herege.

LOMBAERDE, Pe. Julio Maria de. O Diabo, Lutero e o Protestantismo. 2ª Ed. Manhumirim: O Lutador, 1950.

sábado, 27 de julho de 2013

Acerca dos extraterrestres

Frequentemente vemos na mídia notícias relacionadas com o aparecimento de óvnis ou sinais vindos supostamente de outros planetas, com mensagens até interessantes ou, no mínimo, divertidas, como por exemplo mostra o vídeo abaixo relacionado:


Por conta disso, a Iesus Christus entrevistou o Rev. Pe. Jesús Maria Mestre, professor de Espiritualidade e Sagrada Escritura do Seminário Internacional Nossa Senhora Corredentora (FSSPX) da Argentina sobre a questão para ilustrar as almas demasiado e curiosamente levianas.

Publicado na edição número 117.



REVISTA “IESUS CHRISTUS”: Reverendo Padre, há algumas semanas o diretor do Observatório Astronômico do Vaticano, o sacerdote argentino José Gabriel Funes, S.J., declarou em uma entrevista que a ideia de que exista vida extraterrestre não tem nada de estranha. O que o senhor sabe dessas declarações?

R. P. JOSÉ MARIA MESTRE ROC: O que foi publicado pela agência de notícias Zenit do último dia 16 de maio, do qual fizeram eco todos os meios de imprensa.

REVISTA “IESUS CHRISTUS”: Pode-nos resumir o ponto de vista do Padre Funes?

R. P. JOSÉ MARIA MESTRE ROC: Claro. Segundo ele, poderiam existir outros seres vivos além dos conhecidos. Se não concedêssemos essa possibilidade, estaríamos limitando a liberdade criadora de Deus.

Apelando logo a São Francisco de Assis – que como todos sabem, falava do “irmão sol” e da “irmã lua” – surge a questão: Por que não poderíamos falar também de um “irmão extraterrestre”?

Para apoiar seu ponto de vista, recorre à imagem do Bom Pastor, que vai em busca da ovelha perdida: “Neste universo podem haver cem ovelhas – estou lendo o que declarou no ZENIT –, correspondentes às diversas formas de criaturas. Nós, que pertencemos ao gênero humano, poderíamos ser justamente a ovelha perdida, os pecadores que precisam do pastor”.

Por fim, visto que aqui surge um problema a respeito da redenção operada por Nosso Senhor Jesus Cristo, complementa que ainda que existissem outros seres inteligentes, isso não quer dizer que tenham necessidade de serem redimidos como os homens, já que poderiam ter permanecido em amizade plena com seu Criador.

REVISTA: Pois bem, não admitir a vida extraterrestre, implica realmente – como diz o Padre Funes – restringir a liberdade de Deus para criar quantos seres quisesse?

R. P. MESTRE: De forma alguma. É certo que Deus é infinitamente livre ao criar e para criar; mas não é menos certo que Deus nos deu a conhecer o desígnio que teve ao fazê-lo. Isso é a própria revelação. Não é, pois, que negando a vida extraterrestre vimos coagir a liberdade de Deus, senão que atemo-nos ao que Ele mesmo nos disse.

REVISTA: De todos os modos, Padre, como conciliar a possibilidade de que haja vida extraterrestre com a redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo? Seriam os extraterrestres seres “imaculados”, no sentido de que não precisariam dela?

R. P. MESTRE: Pois que aqui entramos no terreno da pura hipótese, nada mais, e o que se possa dizer de uma hipótese, não é uma afirmação, senão outra hipótese ou, em outros termos, uma afirmação condicional...

Por isso ele emprega um tempo potencial, o modo condicional, indicando que, se existissem, isso não implica que precisariam ser redimidos já que “poderiam ter permanecido em amizade plena com seu Criador”. No entanto, se tivessem pecado, “de algum modo teriam a possibilidade de gozar da misericórdia de Deus, como sucedeu a nós”.

REVISTA: Em outra parte de sua entrevista, o Padre Funes tenta sustentar indiretamente sua opinião argumentando que não há contradição entre a fé e o que diz a ciência; ou seja, que não há razão para contrapor as conclusões da ciência com...

R. P. MESTRE: ... sim, com o revelado por Deus. Mas o ponto não é esse. Não há contradição entre a fé e a razão, isso é claro. O tema é que a ciência esteve provando realmente até agora que não existem seres extraterrestres...

É importante enfatizá-lo: além de todas as elucubrações, os cientistas vêem-se obrigados a reconhecer que, apesar de todas as antenas e telescópios que têm apontados para o espaço para receber sinais de vida inteligente em outros planetas ou galáxias, até hoje não receberam nada. O espaço mantém-se absolutamente mudo. Essa é a prova...

Sem ânimo de gerar falsas ilusões nas pessoas e induzir-lhes a equívocos, mais que dizer que a ciência não está em contradição com a fé, há que se dizer que a ciência – que se atém às provas – somente pôde demonstrar, quer queira quer não, que não há nada fora de nós...

REVISTA: Então o senhor é um cético?

R. P. MESTRE: Acredito que temos que nos situar em um ponto de vista realista e de senso comum, e não cair nas ficções. Em uma novela pode-se falar de “nossos irmãos extraterrestres”, assim como São Francisco falava do “irmão sol” ou da “irmã lua”. Aqui falamos de maneira própria. Aqui falamos de ciência. Nesse contexto, suposições como as desse gênero implicam simplesmente cair em uma ficção teológica. Pois bem, a teologia não versa sobre ficções, mas sobre realidades.

O caso é, pois, que partindo do que Deus mesmo nos disse na revelação, e procedendo, não por argumentos fechados da Escritura ou da Tradição, mas ao menos por argumentos de analogia teológica, temos que descartar a existência de seres inteligentes extraterrestres como sendo inconciliável com o dado teológico certo. Contudo, antes teríamos que definir bem o que se entende por “seres extraterrestres”, porque em sentido amplo os anjos, bons ou maus, são também “seres extraterrestres”... O Padre Funes não se refere a eles, mas a criaturas inteligentes, semelhantes aos homens, isto é, compostos de corpo e alma, e vivendo em algum outro planeta. A esses mesmos também eu me refiro aqui.

REVISTA: Hoje em dia, além da novela e da ficção, são muitos os que crêem sem mais na existência de seres extraterrestres, mesmo entre os católicos. Que argumentos há que se invocar para negar essa possibilidade?

R. P. MESTRE: Os argumentos podem ser de duas classes, filosóficos e teológicos.

REVISTA: Como a nossa é uma publicação religiosa, e quem se referiu ao tema é um sacerdote, explique-nos melhor o argumento teológico.

R. P. MESTRE: De acordo. Para isso nos serviremos da analogia. Se existem outros seres intelectuais, teríamos que dizer que deveriam ter sido elevados necessariamente à ordem sobrenatural, e isso por motivos de harmonia com a revelação.

Santo Tomás afirma claramente que os anjos foram criados em estado de graça, e que os homens também o foram, estes pelo mesmo motivo que aqueles, a saber, porque deveram ser criados em estado perfeito, ou seja, incluindo de alguma maneira tudo o que chegariam a ser mais tarde; e assim, tanto anjos como homens, visto que estavam preordenados à gloria, deveram ter já desde sua criação uma semente da mesma gloria a qual é a graça,

Pois bem: sobre existir esses outros seres, Deus teria obrado a seu respeito tal como fez com os anjos e com os homens: se os fez capazes de conhecê-Lo e amá-Lo – com inteligência e vontade, assim como fez com anjos e homens – também os preordenou para a gloria. Nada indica, teologicamente falando, que teria obrado com os extraterrestres de modo distinto que com anjos e homens... Agora bem, elevados os “extraterrestres” ao estado sobrenatural, como foi explicado, de duas uma: ou permaneceram fieis à sua justiça original, ou pecaram, como os anjos e os homens.

REVISTA: Este é o “nó górdio”?

R. P. MESTRE: Digamos que sim. Porque se foram fiéis, e como diz o Padre Funes “permaneceram na amizade plena com seu Criador (...) não precisando então da redenção”, seguem vários inconvenientes.

REVISTA: Quais e por que?

R. P. MESTRE: Porque forma parte do dado revelado que os homens saibam quem forma parte da Igreja, seja militante, seja purgante, seja triunfante. Sabemos que a Igreja militante é formada pelos que receberam o batismo, professam a fé verdadeira e se submetem às autoridades estabelecidas por Cristo; dela excluem-se os infiéis, hereges e cismáticos. Sabemos igualmente que a Igreja triunfante é composta por anjos e homens.

Se houvessem extraterrestres, teríamos que sabê-lo, porque um dia seriam nossos companheiros no céu, e Deus teria que ter nos feito saber. Se sabemos teremos por companheiros os anjos, a quem não podemos ver, como não íamos saber que também seriam os “venusianos”, “marcianos” ou “jupterianos”, com quem supostamente poderíamos nos contactar algum dia?

REVISTA: Não é pouca coisa como argumento a fortiori...

R. P. MESTRE: Mas não é tudo. Tem mais. Se supusermos por um momento que Deus não quisesse nos revelar que um dia teríamos extraterrestres como companheiros no céu, aconteceria que eles, os marcianos, teriam que professar um credo bastante estranho...

REVISTA: Como é isso?

R. P. MESTRE: Consequência lógica. É dogma de fé que ninguém pode se salvar se não tem fé em um Deus único e trino, e além disso na Encarnação redentora. Sobre esse último pesa o argumento.

Esses marcianos creriam sem dificuldade no dogma do Deus uno e no dogma da Trindade, mas o dogma da Encarnação, que não os afetaria nem um pouco, faria um tanto curioso seu “Credo”: “Creio em Jesus Cristo, que se fez homem (o que é isso?) no planeta Terra (onde está?) para redimi-los de seu pecado (e o que eu tenho com isso?) e levá-los ao céu; e que enviou-lhes o Espírito Santo, o qual falou-lhes através dos profetas e das escrituras, e promete ressuscitá-los no fim dos tempos...”, etc., etc.

Em uma palavra: toda a fé que deveriam crer para se salvarem... referir-se-ia a nós, não a eles! O mínimo que se poderia dizer é que tal coisa é sumamente ridícula e inconveniente.

REVISTA: E o que pensar se, ao invés de permanecerem fiéis, tivessem pecado?

R. P. MESTRE: Também aí surgem graves inconvenientes. Por que, se Deus os chamou ao céu e foram infiéis e pecaram – o qual seria probabilíssimo, pois não caíram somente os homens mas também os anjos (os maus) – então não podem entrar na gloria se antes não fossem redimidos...
E essa redenção, ou não a tiveram, e então estariam irremediavelmente condenados – coisa dificilmente conciliável com o ensinamento de Cristo, o bom pastor que, se vê uma de suas ovelhinhas em perigo, deixa as outras noventa e nove em lugar seguro e vai pela perdida –; ou se a tiveram, e também seu “Credo” voltaria a ser estranhíssimo.
Porque Cristo somente pode morrer uma vez, e uma vez ressuscitado já não pode voltar a morrer. Pois então teriam sido redimidos juntamente conosco, sem contar com uma redenção “própria”, e deveriam rezar: “Creio em Jesus Cristo, que me redimiu, venusiano, fazendo-se homem (o que é “homem” para um extraterrestre?) no planeta Terra, do sistema solar da galáxia Via Láctea, e que ali morreu por mim numa cruz, e ali instituiu o sacerdócio que me santifica (quem são esses sacerdotes que me santificam?), e os sacramentos do batismo, da confirmação, da extrema-unção, da eucaristia (que somente os homens podem administrar; não podem fazê-lo os anjos, e pelo mesmo motivo, tampouco os marcianos, a quem Cristo não conferiu o sacerdócio), e enviou-lhes o Espírito Santo (e eu de alguma maneira me aproveito dele)...”

REVISTA: Desculpe, Padre, mas isso excede o limite do crível... É um “Credo” estranhíssimo o “Credo marciano”...

R. P. MESTRE: E, no entanto, é verdade. É assim. Admitida ou suposta uma coisa, seguem-se uma série de consequências, mais ainda, de implicações teológicas, que são completamente inegáveis, por mais extravagantes que pareçam...

REVISTA: Parece mais fácil, então, negar que existam os extraterrestres...

R. P. MESTRE: Independentemente do ponto de vista, tal possibilidade é realmente impossível. Não se pode dizer que quem a afirme seja um herege. No entanto, tem que se enfatizar que não existe nenhum fundamento para aceitá-la, nem na revelação, nem na criação natural, e que por outro lado, traz muitíssimos inconvenientes do ponto de vista filosófico e teológico.

REVISTA: A esta altura, Reverendo Padre, a possibilidade de vida extraterrestre, mais que ficção, parece um verdadeiro absurdo.

R. P. MESTRE: Eu não sei se absurdo, mas é que é inconciliável com o que conhecemos pela revelação. São mais, muitíssimos mais os questionamentos que abre e deixa insolúveis, que as soluções que aporta a qualquer pergunta a respeito.


Pensemos no que ensina São Paulo. O Apóstolo ensina que Cristo, Verbo feito homem, é o centro da Criação, a síntese de toda ela, o fim para o qual tudo – tudo – foi criado; que é vontade de Deus “restaurar tudo em Cristo”, tanto o mundo angélico como o humano. Pergunta-se então: Como se levaria a cabo esta restauração de tudo em Cristo no mundo venusiano, marciano ou extraterrestre? De que maneira eles se veriam ordenados a Cristo? Que sentido tem a existência de outros seres intelectuais distintos do homem, se o fim da criação já se consegue com a entrada do Criador na humanidade, com os mistérios de sua vida humana e com a comunicação de seus merecimentos à raça humana?

Acredito que abrir a possibilidade de crer na existência de outros seres inteligentes no cosmos fosse do homem, e não ver nele nenhuma incompatibilidade com a doutrina católica, como diz o Padre Funes, somente se explica pelo relativismo teológico e religioso ambiente.

Semelhante teoria nasce e conduz inevitavelmente ao relativismo, porque equivale, no pouco ou em todo, ao seguinte: esses bichos, se existem, salvam-se igualmente; podem ser católicos sem Cristo e sem a Igreja; acreditem no que quiserem, estão igualmente orientados a Cristo, ou a Deus, ou ao que seja, de modo não diferente como o estão – segundo se afirma hoje – os protestantes, judeus, muçulmanos, budistas... e até mesmo os ateus!

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Edito de Milão em 313?

Mais do que a conversão de Constantino, a tradição historiográfica escolheu, como limite fronteiriço entre a antiguidade pagã e a época cristã, isso a que chamamos impropriamente o edito de Milão, datado de 313, que não é um edito e nem é de Milão. Parece acreditar-se que esse texto é que permitiu ao cristianismo viver em paz e à luz do dia; não é nada disso: a tolerância funcionava havia dois anos e, depois de sua vitória de Ponte Mílvio, Constantino não quis publicar qualquer edito nesse sentido.

In hoc signo vinces (Sob este sinal vencerás)
O fim da perseguição fora conseguido em princípio desde o edito de tolerância de Galério (em Sárdica ou na Nicomédia, em 30 de abril de 311).[1] Tendo sido editado pelo Primeiro Augusto, esse edito era teoricamente válido para todo o Império e seus quatro imperatores, e foi aplicado por Constantino na Gália[2] e mesmo pelo usurpador Maxêncio na Itália e na África; mas, no Oriente, Maximino Daia fugiu à aplicação, até sua derrota sob o avanço de Licínio. 

Quanto ao pretenso edito de Milão, não passou de um mandatum, uma epistola contendo instruções complementares destinadas aos altos funcionários das províncias, na sequência de uma resolução tomada de comum acordo em Milão por Constantino e Licínio; por sua vez, Licínio expediu da Nicomédia seu mandatum a 15 de junho de 313.[3] Pode-se afirmar, para dizer em uma palavra tudo, que essas instruções complementares cumprem essa função, isto é, complementam não um certo “edito de Milão”, mas... o edito de tolerância de Galério em 311; “as the acts of Maxentius had lost their validity, Constantine presumablt claled back into force the Edict of Galerius”.[4]


Ponte Mílvio
Mas havia necessidade de completar esse edito de 311, porque o acordo dos dois Augustos em 313 previa a restituição às Igrejas de todos os bens que as perseguições delas tinham arrancado, daí os mandata de instruções complementares dos quais foram conservados os textos de Lactâncio e de Eusébio. Essa cláusula de restituição deve-se com toda a certeza ao primeiro e mais convicto dos dois Augustos, Constantino.[5] A hagiografia constantiniana ulterior fez, desse acordo concluído em Milão e das instruções complementares, um edito completo cujo mérito deve ser creditado totalmente a Constantino;[6] acrescenta-se, ao mérito citado, que também a iniciativa foi totalmente de Constantino.[7] Ainda em setembro de 315, um novo decreto de aplicação complete os regulamentos de restituição dos bens eclesiásticos.[8]


VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristão. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 


[1] Como está em Lactâncio, De mortibus persec. 24, e em Eusébio, História Eclesiástica, 8, 17, 3-10).
[2] (J. Moreau em sua edição do De mortibus, col. Sources chrétiennes, nº 39, Paris, 1954, vol. II, p. 343).
[3] (Lactâncio, De mortibus persec. 18, 1: litteras ad praesidem datas; cf. em 24, 5, a epistola judicibus complementar de que fala o edito de Galério em 311).
[4] (A. Alföldim The Conversion of Constantine, op. cit., p. 37).
[5] (Charles M. Odahl, Constantine and the Christian Empire, Nova York, Routlege, 204, p. 119).
[6] (Averil Cameron e G. Clark na nova revista Cambridge Ancient History, vol. XII, Cambridge, Cambridge University Press, 2005, pp. 92 e 656)
[7] Além de Fergus Millar, ver também L. e Ch. Pietri em Histoire du Christianisme, vol. II, op. cit.. pp. 182 e 198; S. Corcoran e H. A. Drake em The Cambridge Companion to the Age of Constantine (N. Lenski ed.), Cambridge, 2006, pp. 52 e 121.
[8] (Código Teod., 10, 1, 1, citado por Ch. Pietri, Roma christiana, Roma, 1976, vol. I, p. 78).

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Jesus Cristo, o único Mediador entre Deus e os homens

Por Cristoph Klug

Por muitas vezes tem-se usado o trecho de I Timóteo II, 1-7 para condenar a piedosa prática católica da invocação e da crença na intercessão dos Santos. Mas como se dá essa mediação única?

Primeiro vamos ao texto:

"Recomendo-te, pois [Timóteo], antes de tudo, que se façam súplicas, orações, petições, ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que estão constituídos em dignidade, para que levemos uma vida sossegada e tranquila, em toda a piedade e honestidade. Porque isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, o qual quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Porque há um só Deus, e há um só mediador entre Deus e os homens, que é Jesus Cristo homem, o qual se deu a si mesmo para a redenção de todos, (tal é o) testemunho (dado por Deus) no tempo devido; por isso é que fui constituído pregador e Apóstolo (digo a verdade, não minto), doutor das gentes na fé e na verdade."

Sabemos que apenas Cristo se encarnou no seio da Virgem Maria e entregou-se à cruz para expiação de nossos pecados. E é disso que trata São Paulo; em parte alguma é condenada a intercessão — orar uns pelos outros — mas sim dá-se a ênfase de que há apenas um Deus verdadeiro, e apenas Jesus Cristo homem é quem faz a mediação, pois Deus não media a si mesmo entre Ele e nós. São Paulo, que é um dos grandes pilares da Igreja Católica, teve essa intenção bem clara e simples enquanto ditava suas cartas. Não há confusão alguma no texto em si.

"Somente Jesus Cristo, por direito próprio, por representação própria, por méritos próprios, é o Mediador entre Deus e os homens. Os santos, e singularmente a Virgem Maria, o são enquanto são associados à mediação única de Jesus Cristo." (Pe. José M. Bover)

Como vimos, Jesus Cristo não necessita de coisa alguma para ter méritos junto a Deus Pai. Ele, por si só, os conquistou. Porém, isso não exclui que aqueles que estão na comunhão plena com Deus, sejam os confessores, sejam os mártires, possam também rogar a Deus pelas nossas súplicas. Tal coisa não os torna deuses, pois Deus excede a isso e a tudo o que possamos imaginar; muito menos "emperra" nosso acesso a Ele. Ao contrário, facilita, pois o que é imperfeito aqui nesta terra, na Igreja Militante, torna-se perfeito na Igreja Triunfante no céu. Mas se imaginássemos uma gigantesca escada de degraus incontáveis tendo Deus muito acima do último, teríamos a Virgem Maria em torno do milésimo, e nós, míseras criaturas, comendo o pó aos pés desta mesma escada. Os outros Santos, como o os grandes Agostinho e Tomás de Aquino, ainda estariam bem abaixo de nossa boa Mãe. 

Abaixo, uma nota feita a este mesmo trecho que expliquei, retirada da Bíblia Sagrada, Novo Testamento, traduzida e anotada pelo Padre Matos Soares:


"Jesus Cristo é mediador entre Deus e os homens, não só porque na sua pessoa possui a natureza divina e humana, mas também porque, com a sua morte, reconciliou os homens com Deus. Os protestantes costumam apresentar este texto contra a doutrina católica sobre a invocação e intercessão dos Santos. Não têm, porém, razão, porque a Igreja ensina claramente que a mediação dos Santos supõe a mediação de Cristo, funda-se nela, e dela recebe toda a sua força. Quando diz Jesus Cristo homem, São Paulo exprime-se desse modo não para negar a divindade de Jesus, mas para salientar que Jesus exerce o ofício de mediador como homem, pois foi como homem que morreu e nos reconciliou com Deus."


Penso que aqui já foi possível a compreensão do nosso pequeno estudo. Quem possuir a boa ciência, entenda.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

A Curiosidade, por Santo Agostinho de Hipona


À tentação sobredita [a sedução pelas coisas belas] junta-se outra, mais perigosa sob múltiplos aspectos. Além da concupiscência da carne – que vegeta na deleitação de todos os sentidos e prazeres, e mata a todos os que a servem, isto é, àqueles que se afastam para longe de Vós – pulula na alma, em virtude dos próprios sentidos do corpo, não um apetite de se deleitar na carne, mas um desejo de conhecer tudo, por meio da carne.

Este desejo curioso e vão, disfarça-se sob o nome de “conhecimento” e de “ciência”. Como nasce da paixão de conhecer tudo, é chamado nas divinas Escrituras a concupiscência dos olhos(1), por serem estes os sentidos mais aptos para o conhecimento.

É aos olhos que propriamente pertence o ver. Empregamos, contudo, este termo, mesmo em relação aos outros sentidos, quando os usamos para obter qualquer conhecimento. Assim, não dizemos: “ouve como brilha”, “cheira como resplandece”, “saboreia como reluz”, “apalpa como cintila”. Mas já podemos dizer que todas essas coisas se vêem. Por isso não só dizemos: “vê como isto brilha” – pois só os olhos o podem sentir, – mas também: “vê como ressoa, vê como cheira, vê como sabe bem, vê como é duro”. É por isso, como já disse, que se chama concupiscência dos olhos à total experiência que nos vem pelos sentidos. Apesar do ofício da vista pertencer primariamente aos olhos, contudo os restantes sentidos usurpam-no por analogia, quando procuram um conhecimento qualquer.

Daqui se vê claramente quanto a volúpia e a curiosidade agem em nós pelos sentidos: o prazer corre atrás do belo, do harmonioso, do suave, do saboroso, do brando; a curiosidade, porém, gosta às vezes de experimentar o contrário dessas sensações, não para se sujeitar a enfados dolorosos, mas para satisfazer a paixão de tudo examinar e conhecer.

Que gosto há em ver um cadáver dilacerado, a que se tem horror? Apesar disso, onde quer que esteja, toda a gente lá acorre ainda que, vendo-o, se entristeça e empalideça. Depois, até em sonhos temem vê-lo, como se alguém os tivesse obrigado a ir examiná-lo, quando estavam acordados, ou como se qualquer anúncio de beleza os tivesse persuadido a lá irem.

O mesmo se dá com os outros sentidos. Iríamos longe se os percorrêssemos a todos. Por causa desta doença da curiosidade, exibem-se no teatro cenas monstruosas de superstição. Dela nasce o desejo de perscrutar os segredos preternaturais que afinal nada nos aproveita conhecer, e que os homens anseiam saber, só por saber.

É ainda a curiosidade que, com o mesmo intuito de alcançar uma ciência perversa, faz recorrer o homem às artes mágicas. Enfim é ela que, até na religião, nos arrasta a tentar a Deus, pedindo-Lhe milagres e prodígios, não porque os exija a salvação das almas, mas só porque se deseja fazer a experiência.

Neste bosque imenso, repleto de tantas insídias e perigos, cortei e expulsei da minha alma muitos males. Vós assim me o concedestes, ó Deus da minha salvação. Mas quando no meio de tantas tentações desta espécie, que por todos os lados me circundam a vida quotidiana, ousarei afirmar que nenhuma delas me há de ver, nem me ei de deixar arrastar por nenhuma curiosidade vã?

Os teatros, é certo, já me não arrebatam nem procuro conhecer o curso dos astros, nem nunca a minha alma esperou as respostas das sombras de que se vale a magia para as suas respostas. Detesto todos estes ritos sacrílegos. Mas, ó Senhor meu Deus, a quem devo servir na humilhação e simplicidade, com quantas maquinações me incita o inimigo a pedir-Vos um sinal! Contudo suplico-Vos pelo nosso Chefe e nossa Pátria – a pura e casta Jerusalém – que assim como até agora esteve longe de mim este consentimento, assim continue a estar cada vez mais. Quando Vos peço a salvação de alguém, o fim do meu intento é muito diferente. Concedei-me agora e no futuro a graça de Vos servir jubilosamente fazendo Vós o que quiserdes.

Contudo, quem poderá contar as insignificantes e desprezíveis misérias que todos os dias tentam a nossa curiosidade, e o número de vezes em que escorregamos? Quantas e quantas vezes não ouvimos contar banalidades! Ao princípio toleramo-las, só para não ofender os fracos; mas depois ouvimo-las com gosto sempre crescente!

Já não contemplo um cão a correr atrás duma lebre quando isso sucede no circo. Mas se a caçada for no campo, que eu casualmente atravesso, talvez ela me distraia de um pensamento importante e, se me não obriga a mudar de caminho para a seguir a cavalo, sigo-a ao menos com um desejo de coração; se imediatamente por meio da minha já tão conhecida fraqueza, me não avisardes que me liberte desse espetáculo. E se eu me não elevar até Vós com alguma consideração, ou desprezando-o por completo ou passando adiante, ficarei loucamente absorvido.

Quando estou sentado em casa não me prende também, muitas vezes a atenção, um estelião(2) a caçar moscas, ou uma aranha enredando as que se atiram às suas teias? Acaso, por serem animais pequenos, a curiosidade deixará de ser a mesma? É certo que disto me aproveito para Vos louvar, ó Criados admirável e Coordenador de todas as coisas. Mas não é isso o que primeiro me desperta a atenção. Uma coisa é levantar-me após a queda, e outra coisa é não cair nunca.

De tais misérias está repleta a minha vida. A minha única esperança é a Vossa infinita misericórdia. como o nosso coração é recipiente de todas estas misérias e porque traz essa imensa multidão de vaidades, muitas vezes as nossas orações interrompem-se e perturbam-se.

Enquanto na Vossa presença elevamos até junto de Vossos ouvidos a voz da nossa alma, não sei donde provêm tantos pensamentos fúteis, que se despenham sobre nós e nos cortam a atenção em coisa tão importante.


Santo Agostinho de HiponaConfissões, Segunda Parte, Livro X, cap. 35.


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(1) I Jo. II, 16
(2) Espécie de lagartixa do Norte da África que no dorso apresenta manchas parecidas a estrelas.