Ordenação sacerdotal de Dom Tomás de Aquino

sábado, 27 de julho de 2013

Acerca dos extraterrestres

Frequentemente vemos na mídia notícias relacionadas com o aparecimento de óvnis ou sinais vindos supostamente de outros planetas, com mensagens até interessantes ou, no mínimo, divertidas, como por exemplo mostra o vídeo abaixo relacionado:


Por conta disso, a Iesus Christus entrevistou o Rev. Pe. Jesús Maria Mestre, professor de Espiritualidade e Sagrada Escritura do Seminário Internacional Nossa Senhora Corredentora (FSSPX) da Argentina sobre a questão para ilustrar as almas demasiado e curiosamente levianas.

Publicado na edição número 117.



REVISTA “IESUS CHRISTUS”: Reverendo Padre, há algumas semanas o diretor do Observatório Astronômico do Vaticano, o sacerdote argentino José Gabriel Funes, S.J., declarou em uma entrevista que a ideia de que exista vida extraterrestre não tem nada de estranha. O que o senhor sabe dessas declarações?

R. P. JOSÉ MARIA MESTRE ROC: O que foi publicado pela agência de notícias Zenit do último dia 16 de maio, do qual fizeram eco todos os meios de imprensa.

REVISTA “IESUS CHRISTUS”: Pode-nos resumir o ponto de vista do Padre Funes?

R. P. JOSÉ MARIA MESTRE ROC: Claro. Segundo ele, poderiam existir outros seres vivos além dos conhecidos. Se não concedêssemos essa possibilidade, estaríamos limitando a liberdade criadora de Deus.

Apelando logo a São Francisco de Assis – que como todos sabem, falava do “irmão sol” e da “irmã lua” – surge a questão: Por que não poderíamos falar também de um “irmão extraterrestre”?

Para apoiar seu ponto de vista, recorre à imagem do Bom Pastor, que vai em busca da ovelha perdida: “Neste universo podem haver cem ovelhas – estou lendo o que declarou no ZENIT –, correspondentes às diversas formas de criaturas. Nós, que pertencemos ao gênero humano, poderíamos ser justamente a ovelha perdida, os pecadores que precisam do pastor”.

Por fim, visto que aqui surge um problema a respeito da redenção operada por Nosso Senhor Jesus Cristo, complementa que ainda que existissem outros seres inteligentes, isso não quer dizer que tenham necessidade de serem redimidos como os homens, já que poderiam ter permanecido em amizade plena com seu Criador.

REVISTA: Pois bem, não admitir a vida extraterrestre, implica realmente – como diz o Padre Funes – restringir a liberdade de Deus para criar quantos seres quisesse?

R. P. MESTRE: De forma alguma. É certo que Deus é infinitamente livre ao criar e para criar; mas não é menos certo que Deus nos deu a conhecer o desígnio que teve ao fazê-lo. Isso é a própria revelação. Não é, pois, que negando a vida extraterrestre vimos coagir a liberdade de Deus, senão que atemo-nos ao que Ele mesmo nos disse.

REVISTA: De todos os modos, Padre, como conciliar a possibilidade de que haja vida extraterrestre com a redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo? Seriam os extraterrestres seres “imaculados”, no sentido de que não precisariam dela?

R. P. MESTRE: Pois que aqui entramos no terreno da pura hipótese, nada mais, e o que se possa dizer de uma hipótese, não é uma afirmação, senão outra hipótese ou, em outros termos, uma afirmação condicional...

Por isso ele emprega um tempo potencial, o modo condicional, indicando que, se existissem, isso não implica que precisariam ser redimidos já que “poderiam ter permanecido em amizade plena com seu Criador”. No entanto, se tivessem pecado, “de algum modo teriam a possibilidade de gozar da misericórdia de Deus, como sucedeu a nós”.

REVISTA: Em outra parte de sua entrevista, o Padre Funes tenta sustentar indiretamente sua opinião argumentando que não há contradição entre a fé e o que diz a ciência; ou seja, que não há razão para contrapor as conclusões da ciência com...

R. P. MESTRE: ... sim, com o revelado por Deus. Mas o ponto não é esse. Não há contradição entre a fé e a razão, isso é claro. O tema é que a ciência esteve provando realmente até agora que não existem seres extraterrestres...

É importante enfatizá-lo: além de todas as elucubrações, os cientistas vêem-se obrigados a reconhecer que, apesar de todas as antenas e telescópios que têm apontados para o espaço para receber sinais de vida inteligente em outros planetas ou galáxias, até hoje não receberam nada. O espaço mantém-se absolutamente mudo. Essa é a prova...

Sem ânimo de gerar falsas ilusões nas pessoas e induzir-lhes a equívocos, mais que dizer que a ciência não está em contradição com a fé, há que se dizer que a ciência – que se atém às provas – somente pôde demonstrar, quer queira quer não, que não há nada fora de nós...

REVISTA: Então o senhor é um cético?

R. P. MESTRE: Acredito que temos que nos situar em um ponto de vista realista e de senso comum, e não cair nas ficções. Em uma novela pode-se falar de “nossos irmãos extraterrestres”, assim como São Francisco falava do “irmão sol” ou da “irmã lua”. Aqui falamos de maneira própria. Aqui falamos de ciência. Nesse contexto, suposições como as desse gênero implicam simplesmente cair em uma ficção teológica. Pois bem, a teologia não versa sobre ficções, mas sobre realidades.

O caso é, pois, que partindo do que Deus mesmo nos disse na revelação, e procedendo, não por argumentos fechados da Escritura ou da Tradição, mas ao menos por argumentos de analogia teológica, temos que descartar a existência de seres inteligentes extraterrestres como sendo inconciliável com o dado teológico certo. Contudo, antes teríamos que definir bem o que se entende por “seres extraterrestres”, porque em sentido amplo os anjos, bons ou maus, são também “seres extraterrestres”... O Padre Funes não se refere a eles, mas a criaturas inteligentes, semelhantes aos homens, isto é, compostos de corpo e alma, e vivendo em algum outro planeta. A esses mesmos também eu me refiro aqui.

REVISTA: Hoje em dia, além da novela e da ficção, são muitos os que crêem sem mais na existência de seres extraterrestres, mesmo entre os católicos. Que argumentos há que se invocar para negar essa possibilidade?

R. P. MESTRE: Os argumentos podem ser de duas classes, filosóficos e teológicos.

REVISTA: Como a nossa é uma publicação religiosa, e quem se referiu ao tema é um sacerdote, explique-nos melhor o argumento teológico.

R. P. MESTRE: De acordo. Para isso nos serviremos da analogia. Se existem outros seres intelectuais, teríamos que dizer que deveriam ter sido elevados necessariamente à ordem sobrenatural, e isso por motivos de harmonia com a revelação.

Santo Tomás afirma claramente que os anjos foram criados em estado de graça, e que os homens também o foram, estes pelo mesmo motivo que aqueles, a saber, porque deveram ser criados em estado perfeito, ou seja, incluindo de alguma maneira tudo o que chegariam a ser mais tarde; e assim, tanto anjos como homens, visto que estavam preordenados à gloria, deveram ter já desde sua criação uma semente da mesma gloria a qual é a graça,

Pois bem: sobre existir esses outros seres, Deus teria obrado a seu respeito tal como fez com os anjos e com os homens: se os fez capazes de conhecê-Lo e amá-Lo – com inteligência e vontade, assim como fez com anjos e homens – também os preordenou para a gloria. Nada indica, teologicamente falando, que teria obrado com os extraterrestres de modo distinto que com anjos e homens... Agora bem, elevados os “extraterrestres” ao estado sobrenatural, como foi explicado, de duas uma: ou permaneceram fieis à sua justiça original, ou pecaram, como os anjos e os homens.

REVISTA: Este é o “nó górdio”?

R. P. MESTRE: Digamos que sim. Porque se foram fiéis, e como diz o Padre Funes “permaneceram na amizade plena com seu Criador (...) não precisando então da redenção”, seguem vários inconvenientes.

REVISTA: Quais e por que?

R. P. MESTRE: Porque forma parte do dado revelado que os homens saibam quem forma parte da Igreja, seja militante, seja purgante, seja triunfante. Sabemos que a Igreja militante é formada pelos que receberam o batismo, professam a fé verdadeira e se submetem às autoridades estabelecidas por Cristo; dela excluem-se os infiéis, hereges e cismáticos. Sabemos igualmente que a Igreja triunfante é composta por anjos e homens.

Se houvessem extraterrestres, teríamos que sabê-lo, porque um dia seriam nossos companheiros no céu, e Deus teria que ter nos feito saber. Se sabemos teremos por companheiros os anjos, a quem não podemos ver, como não íamos saber que também seriam os “venusianos”, “marcianos” ou “jupterianos”, com quem supostamente poderíamos nos contactar algum dia?

REVISTA: Não é pouca coisa como argumento a fortiori...

R. P. MESTRE: Mas não é tudo. Tem mais. Se supusermos por um momento que Deus não quisesse nos revelar que um dia teríamos extraterrestres como companheiros no céu, aconteceria que eles, os marcianos, teriam que professar um credo bastante estranho...

REVISTA: Como é isso?

R. P. MESTRE: Consequência lógica. É dogma de fé que ninguém pode se salvar se não tem fé em um Deus único e trino, e além disso na Encarnação redentora. Sobre esse último pesa o argumento.

Esses marcianos creriam sem dificuldade no dogma do Deus uno e no dogma da Trindade, mas o dogma da Encarnação, que não os afetaria nem um pouco, faria um tanto curioso seu “Credo”: “Creio em Jesus Cristo, que se fez homem (o que é isso?) no planeta Terra (onde está?) para redimi-los de seu pecado (e o que eu tenho com isso?) e levá-los ao céu; e que enviou-lhes o Espírito Santo, o qual falou-lhes através dos profetas e das escrituras, e promete ressuscitá-los no fim dos tempos...”, etc., etc.

Em uma palavra: toda a fé que deveriam crer para se salvarem... referir-se-ia a nós, não a eles! O mínimo que se poderia dizer é que tal coisa é sumamente ridícula e inconveniente.

REVISTA: E o que pensar se, ao invés de permanecerem fiéis, tivessem pecado?

R. P. MESTRE: Também aí surgem graves inconvenientes. Por que, se Deus os chamou ao céu e foram infiéis e pecaram – o qual seria probabilíssimo, pois não caíram somente os homens mas também os anjos (os maus) – então não podem entrar na gloria se antes não fossem redimidos...
E essa redenção, ou não a tiveram, e então estariam irremediavelmente condenados – coisa dificilmente conciliável com o ensinamento de Cristo, o bom pastor que, se vê uma de suas ovelhinhas em perigo, deixa as outras noventa e nove em lugar seguro e vai pela perdida –; ou se a tiveram, e também seu “Credo” voltaria a ser estranhíssimo.
Porque Cristo somente pode morrer uma vez, e uma vez ressuscitado já não pode voltar a morrer. Pois então teriam sido redimidos juntamente conosco, sem contar com uma redenção “própria”, e deveriam rezar: “Creio em Jesus Cristo, que me redimiu, venusiano, fazendo-se homem (o que é “homem” para um extraterrestre?) no planeta Terra, do sistema solar da galáxia Via Láctea, e que ali morreu por mim numa cruz, e ali instituiu o sacerdócio que me santifica (quem são esses sacerdotes que me santificam?), e os sacramentos do batismo, da confirmação, da extrema-unção, da eucaristia (que somente os homens podem administrar; não podem fazê-lo os anjos, e pelo mesmo motivo, tampouco os marcianos, a quem Cristo não conferiu o sacerdócio), e enviou-lhes o Espírito Santo (e eu de alguma maneira me aproveito dele)...”

REVISTA: Desculpe, Padre, mas isso excede o limite do crível... É um “Credo” estranhíssimo o “Credo marciano”...

R. P. MESTRE: E, no entanto, é verdade. É assim. Admitida ou suposta uma coisa, seguem-se uma série de consequências, mais ainda, de implicações teológicas, que são completamente inegáveis, por mais extravagantes que pareçam...

REVISTA: Parece mais fácil, então, negar que existam os extraterrestres...

R. P. MESTRE: Independentemente do ponto de vista, tal possibilidade é realmente impossível. Não se pode dizer que quem a afirme seja um herege. No entanto, tem que se enfatizar que não existe nenhum fundamento para aceitá-la, nem na revelação, nem na criação natural, e que por outro lado, traz muitíssimos inconvenientes do ponto de vista filosófico e teológico.

REVISTA: A esta altura, Reverendo Padre, a possibilidade de vida extraterrestre, mais que ficção, parece um verdadeiro absurdo.

R. P. MESTRE: Eu não sei se absurdo, mas é que é inconciliável com o que conhecemos pela revelação. São mais, muitíssimos mais os questionamentos que abre e deixa insolúveis, que as soluções que aporta a qualquer pergunta a respeito.


Pensemos no que ensina São Paulo. O Apóstolo ensina que Cristo, Verbo feito homem, é o centro da Criação, a síntese de toda ela, o fim para o qual tudo – tudo – foi criado; que é vontade de Deus “restaurar tudo em Cristo”, tanto o mundo angélico como o humano. Pergunta-se então: Como se levaria a cabo esta restauração de tudo em Cristo no mundo venusiano, marciano ou extraterrestre? De que maneira eles se veriam ordenados a Cristo? Que sentido tem a existência de outros seres intelectuais distintos do homem, se o fim da criação já se consegue com a entrada do Criador na humanidade, com os mistérios de sua vida humana e com a comunicação de seus merecimentos à raça humana?

Acredito que abrir a possibilidade de crer na existência de outros seres inteligentes no cosmos fosse do homem, e não ver nele nenhuma incompatibilidade com a doutrina católica, como diz o Padre Funes, somente se explica pelo relativismo teológico e religioso ambiente.

Semelhante teoria nasce e conduz inevitavelmente ao relativismo, porque equivale, no pouco ou em todo, ao seguinte: esses bichos, se existem, salvam-se igualmente; podem ser católicos sem Cristo e sem a Igreja; acreditem no que quiserem, estão igualmente orientados a Cristo, ou a Deus, ou ao que seja, de modo não diferente como o estão – segundo se afirma hoje – os protestantes, judeus, muçulmanos, budistas... e até mesmo os ateus!

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