Ordenação sacerdotal de Dom Tomás de Aquino

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Edito de Milão em 313?

Mais do que a conversão de Constantino, a tradição historiográfica escolheu, como limite fronteiriço entre a antiguidade pagã e a época cristã, isso a que chamamos impropriamente o edito de Milão, datado de 313, que não é um edito e nem é de Milão. Parece acreditar-se que esse texto é que permitiu ao cristianismo viver em paz e à luz do dia; não é nada disso: a tolerância funcionava havia dois anos e, depois de sua vitória de Ponte Mílvio, Constantino não quis publicar qualquer edito nesse sentido.

In hoc signo vinces (Sob este sinal vencerás)
O fim da perseguição fora conseguido em princípio desde o edito de tolerância de Galério (em Sárdica ou na Nicomédia, em 30 de abril de 311).[1] Tendo sido editado pelo Primeiro Augusto, esse edito era teoricamente válido para todo o Império e seus quatro imperatores, e foi aplicado por Constantino na Gália[2] e mesmo pelo usurpador Maxêncio na Itália e na África; mas, no Oriente, Maximino Daia fugiu à aplicação, até sua derrota sob o avanço de Licínio. 

Quanto ao pretenso edito de Milão, não passou de um mandatum, uma epistola contendo instruções complementares destinadas aos altos funcionários das províncias, na sequência de uma resolução tomada de comum acordo em Milão por Constantino e Licínio; por sua vez, Licínio expediu da Nicomédia seu mandatum a 15 de junho de 313.[3] Pode-se afirmar, para dizer em uma palavra tudo, que essas instruções complementares cumprem essa função, isto é, complementam não um certo “edito de Milão”, mas... o edito de tolerância de Galério em 311; “as the acts of Maxentius had lost their validity, Constantine presumablt claled back into force the Edict of Galerius”.[4]


Ponte Mílvio
Mas havia necessidade de completar esse edito de 311, porque o acordo dos dois Augustos em 313 previa a restituição às Igrejas de todos os bens que as perseguições delas tinham arrancado, daí os mandata de instruções complementares dos quais foram conservados os textos de Lactâncio e de Eusébio. Essa cláusula de restituição deve-se com toda a certeza ao primeiro e mais convicto dos dois Augustos, Constantino.[5] A hagiografia constantiniana ulterior fez, desse acordo concluído em Milão e das instruções complementares, um edito completo cujo mérito deve ser creditado totalmente a Constantino;[6] acrescenta-se, ao mérito citado, que também a iniciativa foi totalmente de Constantino.[7] Ainda em setembro de 315, um novo decreto de aplicação complete os regulamentos de restituição dos bens eclesiásticos.[8]


VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristão. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 


[1] Como está em Lactâncio, De mortibus persec. 24, e em Eusébio, História Eclesiástica, 8, 17, 3-10).
[2] (J. Moreau em sua edição do De mortibus, col. Sources chrétiennes, nº 39, Paris, 1954, vol. II, p. 343).
[3] (Lactâncio, De mortibus persec. 18, 1: litteras ad praesidem datas; cf. em 24, 5, a epistola judicibus complementar de que fala o edito de Galério em 311).
[4] (A. Alföldim The Conversion of Constantine, op. cit., p. 37).
[5] (Charles M. Odahl, Constantine and the Christian Empire, Nova York, Routlege, 204, p. 119).
[6] (Averil Cameron e G. Clark na nova revista Cambridge Ancient History, vol. XII, Cambridge, Cambridge University Press, 2005, pp. 92 e 656)
[7] Além de Fergus Millar, ver também L. e Ch. Pietri em Histoire du Christianisme, vol. II, op. cit.. pp. 182 e 198; S. Corcoran e H. A. Drake em The Cambridge Companion to the Age of Constantine (N. Lenski ed.), Cambridge, 2006, pp. 52 e 121.
[8] (Código Teod., 10, 1, 1, citado por Ch. Pietri, Roma christiana, Roma, 1976, vol. I, p. 78).

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