Ordenação sacerdotal de Dom Tomás de Aquino

sábado, 24 de janeiro de 2015

Carta Aberta de Dom Williamson a Dom Fellay

Londres, 19 de outubro de 2012.


Excelência:




Obrigado por sua carta de 4 de outubro em que o senhor me informou de parte sua, do Conselho Geral e do Capítulo Geral sua “constatação”, “declaração” e “decisão” de que já não sou membro da Fraternidade São Pio X. As razões que o senhor dá para sua decisão de expulsar seu servidor seriam: ele continuou a publicar seus “Comentários Eleison”; ele atacou as autoridades da Fraternidade; ele fez um apostolado independente; ele causou confusão entre os fiéis; ele apoiou os sacerdotes rebeldes; ele desobedeceu de maneira formal, obstinada e “pertinaz”; ele se separou da Fraternidade; ele não se submete a nenhuma autoridade.

Todas essas razões não se podem resumir em desobediência? Sem dúvida, no curso dos últimos 12 anos seu servidor teve palavras e ações que foram, diante de Deus, inadequadas e excessivas, mas creio que bastaria fossem assinaladas, em particular, para que nos escusássemos, segundo a verdade e a justiça. Mas, sem dúvida, estamos de acordo em que o problema essencial não se situa nos detalhes, que ele se resume em uma palavra: desobediência. Então, assinalemos antes de tudo quantas ordens mais ou menos desagradáveis do Superior Geral seu servidor obedeceu sem falta. Em 2003, ele deixou um apostolado importante nos Estados Unidos para ir para a Argentina. Em 2009, ele deixou o cargo de diretor do seminário e deixou a Argentina para mofar em um sótão em Londres, sem palavra nem ministério episcopal, porque estava proibido. Ele não tinha praticamente mais que o ministério dos “Comentários Eleison”, e a recusa a suspendê-los constitui a maior parte dessa “desobediência” pela qual é criticado. E desde 2009 os Superiores da Fraternidade se deram o direito de desacreditá-lo e injuriá-lo tanto quanto quisessem, e em todo o mundo incentivaram cada membro da Fraternidade que o quisesse a fazê-lo também. Seu servidor reagiu muito pouco, preferindo o silêncio a confrontos escandalosos. Poder-se-ia dizer até que ele se obstinou em não desobedecer. Mas passemos adiante, porque o verdadeiro problema não está aí.


Então, onde está o verdadeiro problema? Para responder, que se permita ao acusado olhar rapidamente para a história da Fraternidade de que querem separá-lo. Na verdade, o problema central vem de longe.


Catolicismo e liberalismo

A partir da Revolução Francesa no século XVIII, em muitos dos estados anteriormente cristãos se começou a estabelecer uma nova ordem mundial, concebida pelos inimigos da Igreja para expulsar Deus de sua criação. Começou-se por substituir o Antigo Regime, no qual o Trono apoiava o altar, pela separação entre Igreja e estado. Descobriu-se uma estrutura de sociedade que é radicalmente nova e difícil para a Igreja, porque o Estado, doravante ateu, terminará por opor-se com todas as suas forças à religião de Deus. Com efeito, os maçons desejam substituir o verdadeiro culto a Deus pelo culto à liberdade, do qual o estado neutro em matéria de religião não é senão um instrumento. Assim começa, nos tempos modernos, uma guerra implacável entre a religião de Deus, defendida pela Igreja Católica, e a nova religião do homem, liberta de Deus e liberal. Estas duas religiões são tão inconciliáveis como Deus e o demônio. É preciso escolher entre o catolicismo e o liberalismo.

Mas o homem não quer ter de escolher entre a lua e as estrelas. Quer ter a ambos. Na esteira da Revolução, encontramos Felicité de Lamennais, que inventou o catolicismo liberal, e a partir desse momento a conciliação do inconciliável se torna banal dentro da Igreja. Durante 120 anos, a misericórdia de Deus deu à Sua Igreja uma série de papas, de Gregório XVI a Pio XII, que em sua maioria viam com clareza e se mantiveram firmes, mas um número sempre crescente de fiéis se inclinou em direção à independência de Deus e aos prazeres materiais a que o catolicismo liberal facilita muito o acesso. Uma corrupção progressiva alcançou os bispos e os sacerdotes, e então Deus terminou por permitir-lhes escolher o tipo de papas que preferiam, ou seja, aqueles que parecem ser católicos mas na realidade são liberais, que falam à direita mas agem à esquerda, que se caracterizam então pela contradição, pela ambiguidade, pela dialética hegeliana e, em uma palavra, pela mentira. É a Neo-Igreja do Vaticano II.

Não poderia ser de outra maneira. Não é mais que sonho poder conciliar realidades que são inconciliáveis. Mas Deus – palavra de Santo Agostinho – não abandona as almas que não querem abandoná-Lo, e então Ele vem em auxílio do pequeno resto de almas católicas que estão cansadas da apostasia mole do Vaticano II. Ele suscita um arcebispo que resistirá à traição dos prelados conciliares. Respeitando a realidade, não buscando conciliar o inconciliável, negando-se a sonhar, este arcebispo fala com a clareza, a coerência e a verdade que faz as ovelhas reconhecer a voz do Mestre Divino. A Fraternidade Sacerdotal que ele funda para formar verdadeiros sacerdotes católicos começa em pequena escala, mas, rejeitando resolutamente os erros conciliares e seu fundamento no catolicismo liberal, atrai os verdadeiros católicos em todo o mundo e constitui a espinha dorsal de um movimento na Igreja que se chama Tradicionalismo.

Ora, esse movimento é insuportável para os homens da Neo-Igreja que querem substituir o catolicismo pelo catolicismo liberal. Ajudados pelos meios de comunicação e pelos governos, eles fizeram de tudo para desacreditar, desonrar e banir o arcebispo corajoso. Em 1976 Paulo VI o “suspendeu a divinis”, e em 1988 João Paulo II o “excomungou”. Este arcebispo exaspera sumamente os papas conciliares, porque sua voz realmente eficaz arruína seu pacote de mentiras e põe em perigo sua traição. E sob o golpe de sua perseguição, e até de sua “excomunhão”, ele mantém-se firme, e com ele muitos sacerdotes da Fraternidade.

Esta fidelidade à verdade obtém de Deus 12 anos de paz interior e prosperidade exterior para a Fraternidade. Em 1991, o grande arcebispo morreu, mas ainda por nove anos sua obra continua na fidelidade aos princípios antiliberais em que ele a construiu. Então, o que farão os romanos conciliares para superar essa resistência? Vão trocar a vara pela cenoura.


Desde 2000, a Fraternidade mudou de direção.

Em 2000, uma grande peregrinação da Fraternidade pelo Ano do Jubileu mostra nas basílicas e nas ruas de Roma a piedade e o poder da Fraternidade. Os romanos se impressionam a contragosto. Um cardeal convida os bispos para um café da manhã suntuoso em sua casa, convite aceito por três deles. Imediatamente após este café da manhã aparentemente fraternal, os contatos entre Roma e a Fraternidade, que desde havia 12 anos se haviam esfriado muito, foram retomados, e com eles começa a poderosa sedução pelos botões escarlates e pelos pisos de mármore.

Os contatos se reaquecem tão rapidamente, que já no final do ano muitos sacerdotes e fiéis da Tradição temem uma conciliação entre a Tradição católica e o Concílio liberal. Esta conciliação não tem êxito por ora, mas a linguagem do Quartel-General da Fraternidade em Menzingen começa a mudar, e nos 12 anos vindouros se mostrará cada vez menos hostil a Roma e cada vez mais acolhedora para com as autoridades da Igreja conciliar, para com os meios de comunicação e seu mundo. E, à medida que a reconciliação do inconciliável se prepara na cabeça da Fraternidade, em seu corpo de sacerdotes e leigos a atitude se torna pouco a pouco mais benigna com relação aos papas e à Igreja conciliares, a tudo o que é mundano e liberal. Afinal de contas, o mundo moderno que nos rodeia é tão ruim quanto estão tentando fazer-nos acreditar?

Este avanço do liberalismo no seio da Fraternidade, percebido por uma minoria de sacerdotes e fiéis, mas aparentemente imperceptível para a grande maioria, tornou-se perceptível para muitos na primavera deste ano, quando, após o fracasso das discussões doutrinais na primavera de 2011, a política católica de “não ao acordo prático sem acordo doutrinal” se converteu, do dia para a noite, na política liberal de “não ao acordo doutrinal, mas sim a um acordo prático”. E, em meados de abril, o Superior Geral ofereceu a Roma como base de um acordo prático um texto ambíguo, abertamente favorável a esta “hermenêutica da continuidade” que é a receita bem-amada de Bento XVI para conciliar precisamente o Concílio com a Tradição! “É necessário um novo pensamento”, dirá o Superior Geral em meados de maio aos sacerdotes do distrito da Fraternidade da Áustria. Em outras palavras, o chefe da Fraternidade fundada em 1970 para resistir às novidades do Concílio propõe que ela se concilie com o Concílio. Hoje ela é conciliadora. Amanhã há de ser totalmente conciliar!

Quase não se pode acreditar que a fundação de Monsenhor Lefebvre tenha sido conduzida a pôr entre parênteses os princípios sobre os quais ele a fundou, mas eis o poder de sedução das fantasias do nosso mundo sem Deus, modernista e liberal. No entanto, a realidade não deixa dobrar-se pelas fantasias, e é parte da realidade que não se podem desfazer os princípios de um fundador sem desfazer a sua fundação. Um fundador tem as graças especiais que nenhum de seus sucessores tem. Como exclamava o Padre Pio enquanto os Superiores de sua Congregação se punham a “renová-la” segundo o novo pensamento do Concílio, que acabava de terminar: “O que vocês estão fazendo do fundador?” O Superior Geral, o Conselho Geral e o Capítulo Geral da Fraternidade São Pio X quiseram manter como mascote a Monsenhor Lefebvre, mas eles têm o novo pensamento de deixar de lado as graves razões pelas quais ele fundou a Fraternidade. Eles a levam, pois, à ruína por uma traição ao menos objetiva, de todo paralela à do Concílio Vaticano II.

Mas sejamos justos e não exageremos. Desde o início deste lento declínio da Fraternidade, sempre houve sacerdotes e fiéis que viram claramente e fizeram o que puderam para resistir. Na primavera deste ano, esta resistência tomou alguma consistência e amplitude, de modo que o Capítulo Geral de julho pôs ao menos um obstáculo no mau caminho do ralliement. Mas será que esse obstáculo se sustentará? Pode-se temer que não. Diante de cerca de 40 sacerdotes da Fraternidade Sacerdotal reunidos em retiro em Écône em setembro, o Superior Geral, referindo-se à política romana, confessou: “Eu me enganei”. De quem é a culpa? “Os romanos me enganaram.” Igualmente, disso resultou “uma grande desconfiança na Fraternidade”, disse ele, que deve ser “superada com atos e não somente com palavras”. Mas de quem é a culpa? Até agora, desde setembro suas ações, incluindo essa carta de 4 de outubro, indicam que ele se volta contra os sacerdotes e leigos que não puderam manter a confiança nele, seu chefe. Depois do Capítulo, como antes, parece que ele não suporta nenhuma oposição à sua política conciliadora e conciliar.


A TRADIÇÃO CATÓLICA E O VATICANO II SÃO INCONCILIÁVEIS.

E aqui está a razão pela qual o Superior Geral deu várias vezes a ordem formal de encerrar os “Comentários Eleison”. Na verdade, estes “comentários” criticaram repetidamente a política de conciliação com Roma por autoridades da Fraternidade, e por isso as atacaram implicitamente. Ora, se nessa crítica e nesses ataques houve falta de respeito ao seu ofício ou a suas pessoas, peço de bom grado perdão a quem de direito, mas acho que basta percorrer os referidos números dos “Comentários” para ver que a crítica e os ataques permaneceram geralmente impessoais, porque visavam a muito mais que simples pessoas.
Quanto ao grande problema, que vai muito além das pessoas, consideremos a confusão que reina atualmente na Igreja e no mundo e que põe em perigo a salvação eterna de incontáveis almas. Não é dever de um bispo identificar as verdadeiras raízes dessa confusão e denunciá-las publicamente? Quantos bispos em todo o mundo viam tão claro como Monsenhor Lefebvre via, e dão o ensinamento correspondente a esta clareza? Quantos deles ainda ensinam a doutrina católica, tal qual é? Não são muito poucos? Assim, é este o momento de tentar silenciar um bispo que o faz, como o prova a quantidade de almas que recebem os “Comentários” como a uma tábua de salvação? E como, em particular, outro bispo pode querer encerrá-los, ele, que admitiu diante de seus sacerdotes que quanto às mesmas grandes questões se deixara enganar, e isso por muitos anos?

Igualmente, se o bispo refratário com efeito se permitiu – pela primeira vez em quase quatro anos – fazer um apostolado independente, como podem censurá-lo por ter aceitado um convite, independente da Fraternidade, para dar a Crisma e para pregar a palavra da verdade? Não é este o papel de um bispo? Sua palavra no Brasil não foi de “confusão” senão para aqueles seguem o erro reconhecido e mais acima referido.

E, se ele parece após tantos anos separar-se da Fraternidade, separa-se, sim, mas apenas da Fraternidade conciliadora e não da fundada pelo Monsenhor Lefebvre. E, se parece mostrar-se insubmisso a todo exercício de autoridade por parte dos líderes da Fraternidade, sim, igualmente, mas apenas às ordens que vão de encontro aos objetivos com os quais foi fundada. De fato, com respeito a que outras ordens além da de encerrar os “Comentários” pode afirmar-se que ele foi culpado de desobediência “formal, obstinada e pertinaz”? Há alguma outra? A desobediência de Monsenhor Lefebvre, não tendo sido senão aos atos de autoridade dos chefes da Igreja que eram de natureza a destruir a Igreja, era mais aparente que real. Do mesmo modo, a “desobediência” daquele que não quis encerrar os “Comentários” é mais aparente que real.

Pois a história se repete, e o diabo sempre volta à carga. Assim como ontem o Concílio quis conciliar a Igreja Católica com o mundo moderno, assim também parece que hoje Bento XVI e o Superior Geral querem, ambos, conciliar a Tradição católica com o Concílio; e assim amanhã, se Deus não intervier entre hoje e então, os líderes da Resistência católica buscarão reconciliá-la com a Tradição doravante conciliar.


MONSENHOR FELLAY É QUEM DEVE RENUNCIAR!

Em suma, Senhor Superior Geral, o senhor pode agora proceder à minha expulsão, porque meus argumentos certamente não o persuadirão, mas esta expulsão será mais aparente que real. Eu sou membro da Fraternidade de Monsenhor Lefebvre por um compromisso perpétuo. Eu sou um dos seus sacerdotes há 36 anos. Eu sou um dos seus bispos, como o senhor, há quase um quarto de século. Isso não pode ser riscado com uma penada, e, portanto, membro da Fraternidade permaneço.

Tivesse o senhor permanecido fiel à sua herança, e tivesse sido eu mesmo notadamente infiel, eu reconheceria de bom grado o seu direito de expulsar-me. Sendo porém as coisas como são, espero não faltar com o respeito ao seu ofício se sugerir que, pela glória de Deus, pela salvação das almas, pela paz interior da Fraternidade, e por sua própria salvação eterna, melhor faria o senhor se renunciasse ao cargo de Superior Geral em vez de me expulsar a mim. Que Deus lhe dê a graça, a luz e as forças necessárias para cumprir tal insigne ato de humildade e de devotamento ao bem comum de todos.
Assim, como tão frequentemente terminei as cartas que lhe dirijo há anos,

Dominus tecum.

+ Richard Williamson.

Nenhum comentário:

Postar um comentário