Autor: Prof. Carlos Ancêde Nougué
Primeira parte
A tese derivada do livro A Figura deste Mundo,
de Pacheco Salles
Sem dúvida, seu ponto de partida é o mesmo de todos os tipos de sedevacantismo, a saber: não pode ser cabeça da Igreja aquele que, por heresia, nem sequer pertence a seu corpo; ora, a partir do Concílio Vaticano II todos os papas se mostraram heréticos; logo, desde então a Sede Romana está vacante por defeito de autoridade.
Como já se disse, tal raciocínio não brota do nada; segue-se da forte impressão causada no espírito de fiéis católicos pelas novidades introduzidas a partir do Concílio Vaticano II, novidades que se chocam de modo evidente com o ensinado, ininterruptamente, pela totalidade do magistério anterior. Sucede porém que ambas as premissas deste raciocínio são tênues: a primeira porque seria preciso verificar, antes de tudo, se qualquer classe de heresia impede ipso facto o ser cabeça da Igreja (o que se verá ao estudarmos o segundo tipo de sedevacantismo, o da Tese de Cassiciacum); a segunda porque (como também se verá então) implica um argumento quia de todo ilícito para o caso em questão.
Em outras palavras, entre estas premissas e aquela conclusão há saltos lógicos que tornam incerto o conjunto do raciocínio. Ora, ainda que sabedores disso, os propugnadores deste tipo de sedevacantismo não buscaram, teológica nem prudentemente, investigar com profundidade suas premissas e, portanto, a possibilidade efetiva de delas seguir-se sua conclusão, mas aferraram-se a esta, e saíram em busca de outras premissas, mais sólidas, para ela. Na prática, trata-se de uma conclusão apriorística, ou melhor, da inversão entre conclusão e premissas que caracteriza a classe de pensamento que nos ocupa aqui, a que incorre no que chamamos de “reconstrução ideal da história”.
Descreva-se pois agora, fidedignamente, o argumento central de Pacheco Salles em A Figura deste Mundo: