Ordenação sacerdotal de Dom Tomás de Aquino

sábado, 1 de abril de 2017

A Doutrina e a Ação


Non Possumus    

     Nos anos 60, o Concílio Vaticano II conseguiu impor, sem grandes dificuldades, todo um ensinamento doutrinal contrário à doutrina tradicional da Igreja. Todos aqueles erros que haviam sido condenados pelo Magistério dos Papas anteriores, apareceram de imediato reabilitados, divulgados, aceitados e praticados, mesmo que aparentemente sem nenhuma ruptura, mediante documentos deliberadamente ambíguo, mas não tanto para que não se pudesse entender aqueles erros que se queriam impor. Alguém se questiona: como pôde ter ocorrido tal coisa? Como os católicos puderam aceitar que de um dia para o outro a Igreja começara a ensinar o oposto que até então havia ensinado? A resposta está na ignorância religiosa da maioria dos católicos de então, e na covardia dos hierarcas da Igreja que não foram partícipes diretos da subversão conciliar.
 
      Se vê claramente que os católicos daquele tempo não conheciam os documentos do Magistério, e quiçá nem sequer bem seu Catecismo. Os magníficos ensinamentos das encíclicas contra os erros modernos de todos os últimos Papas, haviam sido passadas por alto, encobertas, desdenhadas, dando lugar a uma obediência cega, obsequente, cômoda, pela figura do Papa. O render culto ao “doce Cristo na terra” servia de justificativa para evitar os deveres próprios do cristão, em particular a formação sobre as verdades reveladas e na recepção dos ensinamentos magisteriais, verificando se as mesmas se correspondiam ou não com o ensinamento da Tradição (cf. advertência de S. Paulo). Uma despreocupação pela verdade, estimulada pela nova era de conforto trazida pelas repúblicas democráticas, mais um sentimento de orgulho ante o que parecia – americanismo como meio – um triunfo da Igreja no mundo (o “cinquentismo”), criaram o ambiente propício para que os católicos, tendo baixado a guarda, tragaram para si toda a revolução conciliar, sem quase adverti-la e nem ao menos resisti-la. O trabalho combinado das lojas e dos meios de comunicação, além do próprio desinteresse dos católicos pela verdade, renderam seus frutos à Contra-Igreja. A batalha doutrinal modernista foi quase inteiramente ganha, exceto por um pequeno grupo encabeçado por um arcebispo, Mons. Marcel Lefebvre, que amava e conhecia a verdade e teve a graça de resistir. Então a Tradição foi salva.
 
     Quarenta anos depois, a Contra-Igreja já não podia tolerar mais que este grupo recalcitrante, muito maior em número, em obras, em repercussão, continuasse sua tenaz oposição à revolução conciliar. A igreja conciliar havia tentado todas as manobras, todas as argúcias, para intentar submeter a congregação do intransigente Arcebispo. Todas fracassaram. Por quê? Porque em meio a estes estratagemas, estava sempre presente o tema doutrinal. E, diferentemente do que passou nos anos 60, os “lefebvristas” tinham muito claro o problema doutrinal da Roma modernista. Por esse lado, não seria possível capturar a tão ansiada presa. É assim que um astuto político tornado Papa, recebeu a empreitada de pescar em fim o peixe – que havia mordido fazia tempo o anzol – da água, para levá-lo a uma peixaria de Roma.
 
     A manobra, então, não apontou a doutrina, senão a ação. Por demais atentos à doutrina, a subversão dos agentes liberais de dentro se centrou na forma de atuar com Roma, que mudou e se opôs à forma de atuar anterior. A doutrina foi deixara a um lado, para centrar o foco na maneira de atuar da congregação. Ninguém questionaria em Roma sua defesa da doutrina, senão seu modo “restritivo”, quase “sectário” de defendê-la. Era preciso compartilhar essa doutrina com os outros, e para isso, voltar a Roma, pois senão se corria o risco de tornar-se “cismáticos”. “É cismático não o que não obedece senão o que não convive. Por isso estaria mais na Verdade o ecumênico rabino que o isolado Mons. Lefebvre” (Pe. Calderón, “A Candeia Embaixo do Alqueire”, p. 127, em espanhol). Mas, como os membros da congregação não viam esta manobra astuta dos inimigos romanos para procurar capturá-los? Simples: eles não esqueceram a doutrina, mas esqueceram a forma de atuar de seu fundador. Mediante a linguagem ambígua ou a dupla linguagem, em cada ocasião sobre Roma sempre pareceu continuar ileso o tema doutrinal. Então não pareceu que se corria risco ao continuar os diálogos, as negociações, a tratativas, os encontros cordiais, com os liberais de Roma, Assim como os católicos cinquentistas fechavam os olhos ante tudo o que vinha desde o Papa, assim estes “lefebvristas” fechavam os olhos ante tudo o que vinha de seu Superior Geral. Como já se criam na posse da verdade, e esta a tinham bem guardada em seus depósitos, não podiam perdê-la, não deviam temer o risco de deixar de tê-la, não necessitavam revisar suas vasilhas de barro, para ver se conservavam todo o conteúdo ou não. Acreditaram-se seguros, porque tinham a boa doutrina. E esqueceram que os inimigos não só podem estar defronte, como também que a manobra mais exitosa do inimigo é infiltrar-se dentro das próprias filas. Mais ainda, nos mais altos postos das próprias filas.
 
     “O que fazia falta na tormenta que ameaça afundar a barca de Pedro, não era justamente o Concílio (Vaticano II), mas sim que a mão firme do Papa manteve o timão na direção dos princípios de sempre, pois parece certo que o nosso não é tempo de especulação, mas sim de ação”. Esta citação do Pe. Calderón (de seu livro “A Candeia Embaixo do Alqueire”, os negritos são nossos) nos leva a dizer (coisa que não diz ou não vê o próprio Pe. Calderón) que o que fazia falta na tormenta que ameaçava a Tradição (e a FSSPX) não eram justamente diálogos e negociações com Roma, senão que o Superior geral manteve o timão na direção dos princípios de sempre, ensinados por Mons. Lefebvre, que podem resumir-se nesta frase: “Todo sacerdote que queira permanecer católico tem o estrito dever se separar-se desta igreja conciliar.” Mas Mons. Fellay é um diplomático, Mons. de Galarreta um político, e Mons. Tissier um teórico, nenhum dos quais estava preparado para a ação de combate nesta guerra entre a Igreja e a Contra-Igreja. O único bispo de ação contrarrevolucionária foi Mons. Williamson, alguém que compreendeu melhor que os outros a Mons. Lefebvre, o qual entendeu perfeitamente que a doutrina não se sustenta por si mesma, mas sim por aqueles homens que combatem por ela. Hoje, associados ao bispo inglês, temos a outros dois bispos íntegros, fiéis filhos de Mons. Lefebvre: Mons. Faure e Mons. Dom Tomás de Aquino OSB. E proximamente a um quarto, Pe. Zendejas. Os bispos, como afirma São Pio X, devem preservar as almas dos erros e das seduções que por todas as partes saem ao caminho, devem instruí-las, preveni-las, animá-las e consolá-las (cfr. "Vehementer nos”). Lhes pedimos que sigam por este caminho, com mão firme no timão. E para isso procuramos ajudá-los filialmente, desde estas páginas ou desde a trincheira donde Deus nos queira usar.
 
Qual manobra utilizará o inimigo para intentar sucumbir a esta pequena Resistência? No momento, contra esses dois erros fatais que sempre mencionara Mons. Lefebvre, o ralliement liberal com Roma, e o farisaico sedevacantismo, desde a SAJM foram tomadas as medidas necessárias – desde seus próprios estatutos – para colocar-se em guarda contra eles. Mas, como os homens são débeis e o diabo não descansa, deverá se estar sempre em guarda, com os olhos abertos, e de joelhos implorando, à espera do triunfo de Maria, de seu Imaculado Coração.


     Juan Infante

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