Trecho retirado do livro do historiador Gonzague de Reynold, "De Onde Vem a Alemanha?"
É uma revolução. A revolução alemã. É para a Alemanha e para os países submetidos diretamente à sua influência, o equivalente da revolução francesa. É um regime socialista organizado no quadro nacional e inspirado pelo nacionalismo.
O nacional-socialismo é uma revolução sob o figurino alemão: romântica e dinâmica. É às vezes uma volta ao passado mais longínquo, mais bárbaro, e ao mesmo tempo o salto mais ousado, o mais “técnico” no futuro.
É uma revolução de extrema-esquerda. É um jacobinismo junto ao qual o da revolução francesa aparece singularmente burguês e clássico. Dirigiu-se, se não chegar nunca ao fim de sua própria tendência, ao vazio intelectual, ao niilismo moral, à tirania da organização.
Se, decididamente, a sociedade deve dirigir-se para uma forma em que o indivíduo será totalmente absorvido pelo coletivo, e a consciência pessoal totalmente negada na consciência coletiva, onde o ser humano será reduzido ao papel de uma formiga superior, perceber-se-á que o impulso dado nesse sentido pelo nacional-socialismo terá sido mais decisivo que o esforço bolchevista.
É bom ter sob os olhos todos os pontos desta escala descendente.
O declive começou no século dezoito. Neste século a razão foi separada da religião; ao mesmo tempo era ela afastada das grandes forças afetivas e das grandes tradições humanas; além de que uma implica necessariamente na outra. A razão degenerada em direção mental, tecnicamente vestida, engendrou o relativismo moral e o materialismo filosófico. Chegou-se assim a considerar que, só, o algarismo era capaz de representar adequadamente o real. De onde a lei do número. A partir do momento em que o número é árbitro supremo da autoridade, sob a forma da democracia, do conhecimento, sob a forma da ciência, da riqueza, sob a forma do capitalismo, do trabalho, sob a forma da produção, da civilização, sob a forma da cultura, da potência, enfim sob a forma do espaço vital, e do império, devia-se chegar fatalmente a não ter mais que massas em presença, e entre estas massas, produtos de força.
A revolução francesa liberou as potências coletivas, as massas dirigidas pelos instintos permanentes e sentimentos momentâneos: era subtrair a sociedade humana à razão para submetê-la às leis telúricas. Suprimiu os intermediários entre elas e o indivíduo. A revolução russa levou a tendência até suas extremas consequências: materialismo e comunismo. A revolução alemã, organiza, e isto é que a torna temida.
Mas seria grave esquecer a ação decisiva representada, nesta revolução total e totalitária, na só e única revolução, pelo maquinismo, as grandes concentrações econômicas e pelo mito da prosperidade. É a responsabilidade dos Estados Unidos. É enorme. Os americanos duvidam; ignoram o mal que o americanismo fez à Europa e a Alemanha em particular.
Então, o nacional-socialismo é uma das formas da revolução moderna. É, no momento, a revolução pelo último figurino.
As duas grandes forças de que dispõe e que fazem a sua superioridade são: a primeira, seu caráter místico, religioso; a segunda, seu gênio de organização.
Se o nacional-socialismo é anticristão, não é porque seja anticlerical, livre-pensador, laico, racionalista; nem porque seja materialista como o marxismo; e porque, ele próprio, é uma religião.
Fenômeno religioso, o nacional-socialismo é o triunfo do irracional. Sob esta forma, é a reação violenta, inevitável, do afetivo contra o intelectual, do instinto contra o cérebro. Aparece assim como uma vingança da natureza contra os excessos da civilização racionalista e livresca, da civilização estudada.
Sua religião edifica altares panteístas na região revolvida e obscura onde o misticismo se confunde com o instinto, como um nevoeiro na noite.
O racismo é falso, mas como todo erro é humano. Isto quer dizer que guarda consigo um pouco de verdade. O que torna um erro perigoso, contagioso, é a dose de verdade que ele contém.
O racismo é falso, porém sugestivo e viscoso. Poderia muito bem ser para o nacional-socialismo o equivalente do que os Direitos do Homem foram para a revolução francesa: uma arma de penetração, um meio de expansão e de propaganda. Questão de tempo. Porque o racismo poderá continuar a agir mesmo quando o nazismo tiver desaparecido.
Como nos Direitos, há no racismo um apelo à revolta e ao enfraquecimento. A quem se dirige? A estes povos da Europa oriental que estão muito menos evoluídos que os da Europa ocidental, onde se acham minorias descontentes e desprezadas, onde o camponês é pobre e o operário miserável. Aos povos sensíveis e imaginosos, pelos quais, depois de muito tempo, as questões de raça existem. É fácil compreender o valor revolucionário do racismo, quando se sabe de que promessas é portador: divisão de terras, espoliação dos bens eclesiásticos, expulsão e despojamento dos judeus. O clero, a nobreza, os grandes proprietários, as pessoas da alta finança, dos negócios e da usura, acham-se deste modo, em toda a Europa oriental, face-a-face do nacional-socialismo, na mesma posição instável e inquieta onde se achavam, no Ocidente, frente-a-frente com a revolução francesa.
Mais que esta revolução, mais mesmo que a França atual, muito mais que a Rússia dos Soviets, o nacional-socialismo trabalhou pelo povo. Realizou as reformas sociais mais ousadas. Reabsorveu o chômage, e este é um argumento de valor incalculável. Tem se feito refrão de que o povo alemão sofre, de que ele está descontente, e que “nada mais suportará”: as revoluções agem por suas tendências mais que pelos seus efeitos imediatos. Nada seria feito na França depois da Revolução, e portanto...
Quando se fala do nacional-socialismo, comete-se geralmente três grandes faltas. A primeira, de julgar seu sistema econômico conforme as nossas normas e os nossos hábitos capitalistas. A segunda, de não ver nele senão um imperialismo alemão quando é uma revolução: as revoluções se propagam no interior dos países, dão pontapés no plano, e as armas não vêm senão mais tarde; as revoluções podem avançar sem combater, ocupar sem fazer guerra. A terceira, esquecer que o nacional-socialismo é uma revolução social.
É o grande concorrente do bolchevismo russo. Este nutriu ao olhar do III Reich os mesmos sentimentos que nutre um fracassado pobre, quando sonha com o vizinho rico e que acertou. Inveja misturada com admiração. De onde a perplexidade: vai-se continuar a lhe fazer oposição, a agourar sua morte? Ao contrário, vai-se visitá-lo?
O problema russo e o problema alemão dependem um do outro, e não formarão mais adiante senão um único problema.
Esta convicção está fundada na história, sobre a antiguidade dos entendimentos e a profundidade das afinidades entre a Rússia e a Germânia. O russo é um oriental, isto é, um ser implacável incapaz de se deslindar sozinho sem o favor de um agente exterior. Dos germanos, dos escandinavos: os Varègues, fizeram a Rússia; forneceram-lhe seus primeiros chefes, sua dinastia unificadora. Na Idade Média, o comércio alemão dominava-o. Desde o século dezoito a influência alemã iguala e acabou por ultrapassar a francesa. A Prússia e a Rússia evoluíram juntas, tomando o cuidado de nunca de chocar. Ao excesso, a questão judia é hoje a única que separa as duas potências. Separá-las-á sempre, porém? Na Rússia dos progroms o antissemitismo é popular.
Esta convicção é igualmente fundada sobre a geografia. Se a Alemanha quer se opor à hegemonia marítima que exercem conjuntamente a França e o império britânico e os Estados Unidos, é preciso que ela tenha atrás de si uma força continental equivalente. Basta olhar o mapa para ver que ela não pode achar esta força senão na Rússia. Mas se a revolução russa ainda tem a ambição de se estender pela Europa, é preciso que antes conquiste a Alemanha.
Eis o dilema: ou a Rússia dominará a Alemanha, ou a Alemanha dominará a Rússia. Ou a Rússia será nacional-socialista, digamos nacional-comunista, ou a Alemanha será bolchevizada. É provável que os Soviets perguntem então onde está o interesse: num acordo com o III Reich ou numa guerra contra o III Reich.
REYNOLD, Gonzague de. De Onde Vem a Alemanha?. Rio de Janeiro: Vecchi Editor, 1940. pgs. 210-216.
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