Os acordos de 1988
Carta da Congregação para a
Doutrina da Fé a Dom Gérard Calvet
Roma, 25 de julho de 1988
Reverendo Padre,
Em resposta à carta que o senhor enviou ao Prefeito
da Congregação da Doutrina da Fé, aos 8 de julho último, e à sua Súplica ao Santo
Padre, datada do mesmo dia, o Cardeal Prefeito dessa Congregação e o Cardeal
Presidente da Comissão especial instituída segundo os termos do Motu Proprio
“Ecclesia Dei”, do dia 2 de julho de 1988, têm o agrado de lhe comunicar o que
segue.
Durante uma Audiência concedida ao Cardeal Joseph
Ratzinger, aos 23 de julho de 1988, o Soberano Pontífice quis bondosamente:
1. Levantar todas as censuras e irregularidades — em
consequência da recepção das Ordens sagradas das mãos de S. Exa. Dom Marcel
Lefebvre quando estava suspenso “a divinis” — às quais incorreram todos os
membros das comunidades de Sainte-Madeleine du Barroux e de Santa Cruz de Nova
Friburgo que se encontrem nesse caso;
2. Conceder às duas mesmas comunidades a plena
reconciliação com a Sé Apostólica, nas condições já oferecidas pelo Cardeal
Paul Augustin Mayer por ocasião de sua visita ao Mosteiro do Barroux, aos 21 de
junho de 1988, e de acordo com o parágrafo 6º do Motu Proprio “Ecclesia Dei”, a
saber:
o uso, em privado ou em público, dos livros
litúrgicos em vigor em 1962, para os membros das comunidades e para aqueles que
frequentam suas casas religiosas;
a possibilidade de pedir a um bispo, segundo as
regras canônicas em vigor, para conferir as Ordens segundo o Pontificial
concedido, havendo o superior de cada casa autônoma expedido as cartas
dimissórias;
o direito de os fiéis receberem os Sacramentos,
segundo os livros outorgados, nas casas das comunidades, tendo em conta os
cânones 878, 896 e 1122 do CIC;
a possibilidade de desenvolver uma irradiação
pastoral através de obras de apostolado e de conservar os ministérios
atualmente assumidos pelas comunidades, tendo em conta os cânones 679-683.
Essas medidas entrarão em vigor a partir da recepção
da presente carta. Quanto a outros eventuais problemas jurídicos, seriam
submetidos à competência da Comissão especial encarregada da aplicação do Motu
Proprio “Ecclesia Dei”.
Enfim, quanto à inserção das duas comunidades na
Confederação Beneditina, o Cardeal Presidente da Comissão especial pede ao
Revm. Abade Primaz que tome, de acordo com ele (o sobredito Cardeal, N. do T.),
as disposições necessárias, tendo em conta as aspirações manifestadas a esse
respeito em sua carta (de Dom Gérard, N. do T.), citada, do dia 8 de julho de
1988.
Devemos acrescentar que o Santo Padre, sensível aos
sentimentos de fidelidade e de adesão que o senhor lhes manifestou, não duvida
de seu sincero desejo de contribuir para o bem das almas através de seu
apostolado e comunhão com ele e com todos os pastores da Igreja, e que ele
conta muito particularmente com sua oração e a de seus irmãos.
Receba, Reverendo Padre, a expressão de nossos
sentimentos de religioso devotamento no Senhor.
Joseph Card. Ratzinger Paul Augustin Card. Mayer
Declaração recusando as
concessões da Congregação para a Doutrina da Fé
+
PAX
DECLARAÇÃO
Na qualidade de Prior do Mosteiro da Santa Cruz de
Nova Friburgo R.J. Brasil após séria reflexão e oração diante de Deus,
considerando minha responsabilidade por este mosteiro, pela minha salvação
eterna, perante os meus superiores e confrades e perante a Santa Igreja, venho
cumprir o dever de declarar o que segue:
O Mosteiro da Santa Cruz recusa o acordo formado
entre a Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, na pessoa dos cardeais Ratzinger
e Mayer, e Dom Gérard Calvet, Prior do Mosteiro de Santa Madalena do Barroux.
O nosso mosteiro da Santa Cruz foi incluído nos
termos do acordo, que ora vimos recusar, sem que fôssemos consultados sobre o
assunto, apesar de estarmos presentes no Barroux, quando se faziam as
negociações e apesar de saberem nosso desagrado.
Os motivos desta recusa são os seguintes:
1 – Este acordo significa a nossa inserção e
engajamento prático na “Igreja conciliar”. Esta inserção se infere dos cânones
citados no sobredito acordo que nos colocam em estreito relacionamento com o
Bispo diocesano e sob o seu controle. Ademais, conforme o cânon 967, que faz
parte do acordo, o Bispo diocesano, cujos critérios são sempre os da Igreja
Nova, tem o poder de nos expulsar da diocese.
2 – O acordo prevê nossa plena reconciliação com a
Sé Apostólica segundo as normas do Motu Proprio “Ecclesia Dei”, documento que
proclamou a excomunhão de Dom Marcel Lefebvre. Ora, nós nunca nos separamos da
Santa Sé Apostólica e sempre professamos e continuaremos a professar perfeita
comunhão com a Cátedra de Pedro. Separamo-nos sim da Roma modernista e liberal
que patrocina o encontro de Assis e elogia Lutero. E com esta Roma não queremos
nos reconciliar.
3 – O acordo é baseado no Motu Proprio “Ecclesia Dei”,
que excomunga Dom Marcel Lefebvre. Portando, participando desse acordo,
estaremos reconhecendo a injustiça praticada contra Dom Lefebvre, Dom Antônio
de Castro Mayer e os quatro novos bispos, cuja excomunhão foi nula de pleno
direito. Nós não somos seguidores de Dom Antônio e de Dom Lefebvre e sim da
Igreja Católica. Mas na hora atual, em que esses dois baluartes da Fé foram os
únicos a terem a coragem de levantar sua voz contra a auto-demolição da Igreja
não nos é possível nos dissolidarizarmos deles. Assim como no século IV, no
tempo do Arianismo, era sinal de ortodoxia estar “em comunhão com Atanásio” (e
não com o Papa Libério), assim estarmos unidos a Dom Antônio e Dom Lefebvre é
um sinal de fidelidade à Igreja de sempre. São Paulo eremita disso nos dá um
exemplo pedindo a Santo Antão, patriarca dos cenobitas, que o sepultasse com o
manto de Santo Atanásio para, segundo São Jerônimo, indicar que desejava morrer
na fé e comunhão de Santo Atanásio, defensor da Fé ortodoxa contra a heresia
ariana.
4 – O desejo manifesto de praticamente todos os
nossos benfeitores brasileiros nos leva igualmente a recusar o acordo. Agindo
assim estamos, aliás, respeitando o cânon 1300 do Código de Direito Canônico.
Aos nossos superiores sentimo-nos por amor à nossa
fé e à nossa vocação, no dever de repetir as palavras de São Godofredo de
Amiens e São Hugo de Grenoble ao Papa Pascoal II: “... valha-nos Deus, pois assim
nos estaríeis afastando de vossa obediência.”
E São Bernardo nos ensina: “Aquele que faz um mal
porque lhe mandam, faz menos um ato de obediência do que de rebeldia. Faz uma
inversão das coisas: deixa de obedecer a Deus para obedecer aos homens.” (cf.
Oeuvres Complètes de Saint Bernard – Charpentier Tome I Ep. VII).
na
festa de São Bartolomeu Apóstolo
no
ano de graça de 1988
ir.
Tomás de Aquino OSB
Prior
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