Ordenação sacerdotal de Dom Tomás de Aquino

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Da Murmuração e da Calúnia

Via Devotae Animae - Ipatinga/MG
 

Murmurar é descobrir sem necessidade as faltas ou vícios do próximo.

Sem necessidade, dizemos, nem para bem público, nem para bem particular, porquanto se torna as vezes preciso divulgar certos males, ainda com prejuízos e desonra de quem o fez, v.g. declarando-os aos pais, mestres ou mais superiores, para que ponham cobro aos desmandos do seus inferiores, e preservem os mais do contágio e outros prejuízos eminentes. Fora esses casos excepcionais, lembremo-nos que nem todas as verdades se dizem.

Caluniar é imputar ao próximo defeitos ou culpas que não tem.
Inventa, pois, o caluniador perverso, e propala falsidade contra a honra do próximo, a quem rouba cruelmente a fama, que é dos bens o mais precisos: crime, pois, mais odioso que o precedente, já que fere a um tempo a verdade, a caridade e a própria justiça.

Tanto este como aquele pecado da língua designa-se com o nome de Detração. A Detração, em geral, é a difamação injusta do próximo ausente, por palavras ou sinais.

Arranca ou rasga o detrator a honra alheia, tira-lhe a seu irmão a fama ou reputação, difama-o. 

Para bem avaliar a gravidade deste pecado, é preciso levar em conta várias circunstâncias:
 
1º A qualidade do detrator, a posição social, o conceito de que goza de inteligente e criterioso, agravam notavelmente a ferida e o prejuízo. 
 
2º A qualidade do ofendido; se for pessoa de consideração, um sacerdote, um prelado, um magistrado, que será feito da sua autoridade e do respeito que merece? Se for um negociante, não focará desacreditado e seu negócio arruinado? Como achará emprego o criado, o operário assim difamado? Como achará arranjo uma pobre moça com o nome já mareado? 
 
3º O objeto ou matéria da detração pode ser de maior ou menor importância, mais ou menos secreto e oculto o mal que a vítima se assaca. 
 
O número e qualidade dos ouvintes. 
 
5º Os inconvenientes, as consequências, ora mais, ora menos funestas. 6º A paixão e a maldade com que se perpetra o atentado.

Muitos são os modos por que os detratores ofendem a fama do próximo.
1º Uns inventam e atribuem a outro, mal que não fez; são estes propriamente os caluniadores, execrados de Deus e dos homens, Imponens.

2º Outros exageram o mal, Augens.

3º Outros, é este o caso mais frequente, revelam misérias secretas do particulares ou das famílias, as vezes até em público raso, muitas vezes segredando ao ouvido duma ou outra pessoa: Sabe, v.m., o que dizem de fulano, de fulana...?
Fulana não é feliz com o marido, triste casal;... a moça fulana, dizem que é bastante leviana com fulano; - e que tal a ladroeira de fulano?... a fulano andam-lhe mal os negócios... Olhe, v.m., que é segredo, a mais ninguém o digo!
Ah! Segredo, e por que o não guarda? Assim o entregaria se de si se tratasse?
Que comichão de falar...oh! faísca bastante para incendiar uma vasta floresta! Malditos mexericos, malditos mexeriqueiros que acendem as inimizades e as ateiam, referindo a uns e outros o que pode provocar desuniões e rancores quase irremediáveis! Manifestans.

4º Difama-se o próximo deitando-lhe as ações a mal, atribuindo-lhes más intenções em seus atos, ora indiferentes, ora até louváveis. – Ah! Coração perverso, mede aos mais pela sua vara; seus olhos maus veem mal em tudo. 

Guarde-as para si suas interpretações malignas, que, voltando-se feitiço contra feiticeiro, perde a própria fama, e ninguém lhe acreditará nas boas intenções, já que aos mais, as nega. In mala vertens.

5º Tira-se a honra do próximo negando o bem que outros dizem dele. Ainda que não seja verdade o que se diz em louvor duma pessoa, que tem com isto o detrator? Qui negat.

6º Com a mesma injustiça diminui-se o elogio do próximo, ou se torna duvidoso o bem que lhe é atribuído. A quem louva uma bela ação, o bom procedimento, a generosidade, o zelo, o trabalho, a caridade, a fortuna, o comércio, os sucessos de um ausente, responde o murmurador: “Ora, que não há tanto assim... Nem tudo que luz é ouro!”... Não há como medir o alcance destruidor dessas e quejandas restrições. Qui minuit.

7º Os mesmo danados fins conseguem outros só com o calar-se; que há silêncio calculado e maldoso mais eloquente que as palavras. Estão a dizer mal de alguém, vós poderíeis defende-lo; em o não fazendo, cooperais a degolação desta inocente vítima. Qui tacet!

8º O louvar frouxamente pode ser, às vezes, venenosa maledicência. Ao louvar-se alguém a vista de outro, acode este com um sim tão seco, em tom de frieza, de indiferença e de constrangimento como de quem o solta contra sua opinião; tanto faz, como dizer que coisas sabe que desabonam o mérito da pessoa louvada, e é quanto basta para tudo eclipsar.
Outra manha do detrator: começa ele próprio com os encômios do ausente e, de repente: Mas! Muito homem de bem... muito boa mulher... moça muito trabalhadeira... etc.,... mas! Funesto mas! Murmuração tremenda! Disse muito uma palavra, uma palavra, um monossílabo, disse demais! Ai! Que foi isto enfeitar a vítima para degolar! Laudatque remisse.

Importa notar que para o crime de detração coopera também que assiste e escuta, que não houvera murmuradores, se não encontrassem ouvidos para atende-los.

Assim verifica-se o dizer dos Doutores que é de três pontas a língua do murmurador, e fere três vítimas a um tempo: quem fala, com quem e de quem se fala.

Entenda-se porém esta doutrina da participação voluntária, que não incorre em tão funesta cumplicidade quem, em não podendo tapar a boca maldizente ou tomar formalmente as dores do paciente, encerra-se em significativo silêncio de tristeza, de contrariedade, de distração, que basta quase sempre o rosto triste para deter a língua do maldizente, como dissipa o vento do aquilão as chuvas (Pv., 25,23).

Pior se torna e muito mais funesta e mais irremediável a detração quando perpetrada por escrito, e que será pela imprensa! Multiplica-se então os cúmplices no infinito: escritores, impressores, vendedores e leitores sem conta possível, cercam a pobre vítima como vespas peçonhentas, ou antes como assassinos implacáveis, de quem não pode escapar.

Urge-lhes os detratores de qualquer denominação a obrigação irreclinável de ressarcir o prejuízo que causaram ao próximo, obrigação de justiça qual a de restituir o que se roubou: Redde quod debes. Repõe o que me tirastes, pode clamar a vítima do detrator; roubaste-me a honra, a reputação, o crédito, o negócio, a posição; repõe-me isso tudo, que o reclamo em nome da razão, da religião, da justiça e da caridade. “O seu a seu dono!” Assim quiseras para ti, assim faze para os outros, senão, ouve a sentença de santo Agostinho que é da justiça divina: Non remittitur peccatum nisi restituatur ablatum.


Fonte: Manual do Cristão - 1930

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