Tradução: Cristoph Klug
Quando Satanás sonha acordado
O «famoso» sonho maçônico (1934)
No sétimo volume da série Os Homens de boa vontade, o novelista Jules Romains detém-se na maçonaria com uma evidente complacência. A obra se intitula À busca de uma igreja [1].
Para neutralizar as críticas, primeiro a maçonaria é apresentada de maneira satírica: um dos personagens da novela, antigo maçom, põe em ridículo os ritos de sua loja. Mas a apresentação positiva aparece mais tarde. Um verdadeiro maçom, muito simpático, revela seu ideal: A construção do Templo, ou seja, da nova humanidade, unida finalmente na justiça, na paz e na fraternidade.
Para esta construção, a mesma Igreja católica é chamada a colaborar, desde que renuncie à sua feroz intransigência. E a eminência maçônica enuncia o “famoso sonho” de sua seita:
Será necessário que em um ou outro momento, a questão se arranje entre nós e a Igreja... Eu não me desespero por uma aliança tarde ou cedo... uma aliança mais ou menos oculta... Nós somos, eles e nós, os únicos soldados do Universal e também do Espiritual... Por que seu Deus não poderia tolerar nosso jovem arquiteto? Deve apenas deixar a ele este mundo e conservar para si o outro mundo... Você não o crê? – O que você oferece é uma situação de Deus em exílio? – Talvez, mas com grandes honras [...] Bem, veremos… Você conhece o famoso sonho do papa, que, um dia, será um dos nossos?
O alto iniciado conclui alegremente: “Nós já temos bispos maçons!” (pg. 303-304).
Versão judaica (1951)
Este sonho maçônico tem também sua versão judaica. Em 1951 um novelista judeu (Abraham Moses Klein) descreveu os diferentes ideais que entusiasmaram sucessivamente seus correligionários durante a primeira metade do século XX. O herói da novela, Melech Davision, passa do estudo assíduo do Talmude ao entusiasmo comunista, antes de mudar a militante sionista. De vez em quando, é brevemente atraído pelo cristianismo. Ele resiste à tentação, mas seu sobrinho, que o ignora, está entristecido de angústia com a ideia desta conversão: “Tio Melech terá dado o passo impensável?” Para vencer seu medo, abandona-se ao sonho: tio Melech se converteu não apenas em cristão, mas também em papa; e ele usa sua autoridade para transformar a Igreja, unificando o judaísmo, o cristianismo e o islã numa nova “trindade”:
Vi então Sua Santidade Melech sentado sobre o trono papal, sua origem judaica permaneceria nele como uma força ativa, mesmo que secreta. Eu o vi cumprir completamente o ciclo anual das cerimônias religiosas e, reinando sobre todos os reinos espirituais, exercer sua influência e dar sua sanção às coisas temporais. [...] Agora, investido dos plenos poderes de sua infalibilidade, tio Melech proclamou a humanidade: a abolição de todos os dogmas, à exceção do mandamento divino da fé; a reunião das religiões: o cristianismo, o judaísmo, o maometanismo, trindade feita una. Enquanto os períodos latinos da encíclica rodavam em minha imaginação, o mundo parecia recriado de novo, e seu trabalho, como a criação inicial, acalmava-se na harmonia do universo, no sabbat da paz universal. [2].
Os precedentes
VERSÃO CARBONÁRIA (1824) – Nada de novo, dirão aqui os leitores de Sel de la terre. A “revolução em tiara e túnica” e o “papa segundo nossas necessidades” foram evocadas desde 1820 pela Alta Venda dos Carbonários.
Os papéis confiscados pela polícia vaticana de Gregório XVI (e publicados em 1859 por ordem de Pio IX), são muito claros. Notavelmente em uma carta escrita em 3 de abril de 1824 por um dos chefes da organização secreta:
Nós devemos realizar a educação imoral da Igreja e deixar, por pequenos meios bem graduados, mesmo que mal definidos, o triunfo da ideia revolucionária por um papa. Neste projeto, que sempre me pareceu de um cálculo sobre-humano, ainda assim caminhamos tentando [3] (...)
VERSÃO OCULTISTA (1862) – Eliphas Lévi (pseudônimo do diácono apóstata Alphonse-Louis Constant, (1810-1875), criador do termo “ocultismo” e autor de um Ritual de Alta Magia (que ele praticava assiduamente), anunciava em uma carta de 21 de janeiro de 1862:
Virá um dia em que o papa, inspirado pelo Espírito Santo, declarará que todas as excomunhões estão levantadas, que todos os anátemas estão retratados, que todos os cristãos estão unidos à Igreja, que os judeus e muçulmanos são benditos e lembrados por ela; que, conservando a unidade e inviolabilidade de seu dogma, ela permite que todos os cultos se aproximem dela de bom grado, abraçando a todos os homens na comunhão de seu amor e de suas orações. Então já não poderão existir os protestantes: Contra quê protestarão eles?[4]
VERSÃO NOAQUITA (1884) – Sonho análogo no rabino cabalista Élie Benamozegh (1822-1900), que descreve o plano “noaquita” em sua obra Israel e a humanidade (1884 – reeditada em 1914 com um prefácio de um sacerdote modernista secularizado, Hyacinthe Loyson). Segundo o plano de Benamozegh, o catolicismo não deve ser destruído, mas sim “metamorfoseado”, transformado desde o interior em religião humanitária[5].
VERSÃO SATANISTA (1889) – Igualmente, o cônego apóstata Roca (1830-1893), excomungado por seus ensinamentos abertamente satanistas, anuncia em 1889 uma “nova Igreja” que já não conservará nada de antiga, mas sem dúvida, “receberá de Roma a ordenação e a jurisdição canônica”. Ela será estabelecida por um papa que “consagrará a civilização moderna; proclamá-la-á filha do Evangelho”. Em seguida, este pontífice não terá mais que dissolver o papado:
Pronunciando sua própria decadência, o papado romano declarará urbi et orbi que, havendo terminado sua missão e seu papel de iniciador, este se dissolve livremente em sua velha forma, para deixar o campo livre às operações superiores do novo pontificado da nova Igreja e do novo sacerdócio que ele mesmo instituirá canonicamente antes de exalar seu último suspiro [6].
VERSÃO MODERNISTA (1907) – Esta espera de um papa revolucionário que se abrirá finalmente ao mundo moderno e renunciará definitivamente a condenar os erros, anima igualmente à corrente modernista em princípios do século XX.
Em sua novela Il Santo, Fogazarro apresenta as reuniões secretas de um grupo de eclesiásticos e de laicos que se preparam para “reformar” a Igreja à sua maneira. “A doutrina católica é um velho manto usado e destinado a desaparecer”, declara um dos conjurados, Dom Clemente. E acrescenta: “O velho hábito será rejeitado pela mesma autoridade eclesiástica”.
De fato, o herói da novela, Piero Maironi (apelidado de “Benedetto”) chega até o papa e lhe expõe seu plano de reforma: é necessário curar à Igreja do espírito de mentira, de dominação, de avareza e (in cauda venenum) do espírito de imobilidade! O dogma deve evoluir com o século.
Pouco depois, um folheto inglês publicado em Londres em maio de 1908, Pope Pacificus, reveste o mesmo programa. Anuncia um papa que compreenderá finalmente que o cristianismo é ação e vida antes de ser dogma. Abrir-se-á a todos aqueles que se digam de Cristo, e imporá a tolerância a todas as opiniões e a colaboração fraternal de todos aqueles que querem melhorar a sociedade. Então, sob seu regime, realizar-se-á a promessa de Cristo: não haverá mais que um só rebanho, a Igreja da caridade.
A condenação de Pio IX (1864)
Vemos que não há nada de novo. O plano do demônio não muda. Mas as novelas de Jules Romanis e de Abraham Moses Klein têm o mérito de sublinhar a notoriedade do projeto. É um sonho “famoso”: célebre, renomado, bem conhecido do grande público liberal a quem se dirige Jules Romains. Um sonho tão representativo do mundo moderno que inclusive aqueles que não o conhecem explicitamente se reconhecem nele imediatamente.
Um papa que, finalmente, assimilará a Igreja a seu século! Sonho tão famoso que se lhe acreditou realizado desde 1846: apenas eleito, o papa Pio IX (1846-1878) foi aclamado por toda a maçonaria europeia. Na Itália, foi o delírio. Ovações públicas, concertos de louvor, salvas de palmas: nada foi restringido para indicar ao novo papa o caminho que devia tomar. Um caminho bordado de flores, que descia docemente, por etapas, até o mundo moderno. Mas se desiludiram rapidamente. O papa não se deixou levar.
Em 1864, Pio IX imortalizou seu rechaço publicando o Syllabus. O documento terminava bravamente com a condenação da seguinte proposição:
O soberano pontífice pode e deve se reconciliar com o progresso, com o liberalismo e com o mundo moderno.
Por trás destes três pseudônimos, não é difícil reconhecer a seita maçônica.
1864-1964
Um século mais tarde, um novo papa tomava a mão estendida pela maçonaria. Em 1964, o barão maçom, Yves Marsaudon, testemunha em uma entrevista sobre João XXIII:
Pergunta: Conheceu bem o papa João?
Marsaudon: Eu estive muito ligado a Mons. Roncalli (futuro João XXIII), núncio apostólico em Paris. Ele me recebeu várias vezes na nunciatura e em diversas ocasiões, veio a minha casa de Bellevue, na Seine-et-Oise. Quando eu fui nomeado ministro da Ordem de Malta, eu manifestei ao núncio minhas perplexidades por conta de minha pertença à maçonaria. Mons. Roncalli me animou formalmente a permanecer dentro da maçonaria.
Pergunta: Voltou a vê-lo depois de sua elevação à tiara?
Marsaudon: Sim, ele me recebeu em Castel Gandolfo na minha qualidade de ministro emérito da Ordem de Malta, e me deu sua bênção renovando-me seu alento por uma obra de aproximação entre as Igrejas, como também entre a Igreja e a maçonaria de tradição [8].
Exatamente um século depois do Syllabus, um concílio atípico – primeiro de seu gênero, e único até hoje – inaugurou uma nova pastoral: substituindo a condenação do erro pelo diálogo, o Vaticano II se pretende, segundo a expressão do Cardeal Ratzinger, um contra-Syllabus. Isto não é indicar claramente um contra-magistério?
Mais de um século de advertências
Se a empresa maçônica houvesse logrado um século mais cedo sem que houvéssemos estado providos do Syllabus, nem da Humanus Genus de Leão XIII, nem da Pascendi de São Pio X, poderíamos imaginar que as portas do inferno prevaleceram contra a Igreja. Mas não é este o caso. Os mesmos papas proveram, com mais de um século de antecedência, toda a luz necessária para atravessar o túnel. Pio IX quis que os católicos fossem postos em guarda contra o sonho carbonário de uma “revolução em tiara e túnica”. E condenou solenemente este projeto em seu Syllabus (1864).
Na véspera de sua morte, cinquenta anos mais tarde (1914), São Pio X pôs em guarda contra a “sociedade secreta” dos modernistas instalada desde então no próprio seio da Igreja [9].
Quando, cinquenta anos depois, o Vaticano II vem a tomar o contrapé do Syllabus, tudo devia ser claro: o velho sonho maçônico é demasiado “famoso” para poder ser negado; e sua condenação por todo um século de magistério papal é evidente.
Para quem quer ver, a luz brilha até nas trevas.
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[1] Jules ROMAINS (1885-1972), A la Recherche d’une église, Paris, Flammarion, 1934. — Notar a minúscula da palabra «igreja», que indica sua dessacralização. Para o autor, toda sociedade dotada de um ideal, inclusive ateu, é uma «igreja». O socialismo de Jaurés é uma “igreja”. O comunismo é uma «igreja». E a maçonaria também.
[2] Abraham Moses KLEIN (1909-1972), The Second Scroll, 1951 – El segundo rollo, tradução de de Charlotte e Robert Melançon, Montréal, Boréal, 1990, p. 65.
[3] As instruções da Alta Venda, publicadas em 1859 por Crétineau-Joly (com um breve aprobatório de Pio IX) são reproduzidas por Mons. Delassus em anexo de sua Conjuración anticristiana. Encontrarão extratos abundantes citados por Mons. Tissier de Mallerais en Le Sel de la terre 85, pág. 7 e 9.
[4] Éliphas LÉVI, Cours de philosophie occulte, Lettres au baron Spédalieri, de la Kabbale et de la science des nombres, Guy Trédaniel, ed. de la Maisnie, 1988, p. 49-50. — Ver um extrato mais extenso em Le Sel de la terre 34, p. 263.
[5] Ver «Le plan Benamozegh» en Le Sel de la terre 46, p. 54-76.
[6] ROCA, Glorieux centenaire, Monde nouveau, nouveaux cieux, nouvelle terre, Paris, A. Ghio, 1889, p. 466. — Ver um extrato mais extenso em Le Sel de la terre 23, p. 202-203.
[7] O jesuíta A. BRESCIANI reconstituiu muito bem esta época em suas novelas históricas, notavelmente em Le Juif de Vérone.
[8] — Entrevista a Yves MARSAUDON em Le Juvénal, 25 de setembro de 1964. Citado por Carlo Alberto AGNOLI, La Maçonnerie à la conquête de l’Église, Versailles, publicações do «Courrier de Rome», 2001, p. 43. Disponível em DPF, 89190 Chiré-en-Montreuil. El baron MARSAUDON é o autor de L’Œcuménisme vu par un franc-maçon de tradition, Paris, Vitiano, 1964. Sobre as relações de João XXIII com a maçonaria, ver Le Sel de la terre 34, p. 233-237.
[9] A expressão “sociedade secreta” (clandestinum fœdus) é do próprio papa. Três anos depois da condenação do modernismo (Pascendi, 1907), São Pio X explicou, em 1° de setembro de 1910, em um motu proprio, que os modernistas “continuam buscando e agrupando em uma sociedade secreta, novos adeptos.
Os Dominicanos de Avrillé são uma potencia na tradição. Não é por acaso que eles deixaram de apoiar a FSSPX.
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